Quando o requinte do pop encontra o experimentalismo exacerbado
Por Luiz Athayde
Quando foi anunciado o line-up da nona edição do Balaclava Fest em São Paulo, um dos nomes que menos me chamou atenção foi o How To Dress Well.
Embora “comum” e sem muitos atrativos nas músicas que escolhi para conhecer, foi um ato que tive curiosidade para conferir ao vivo. No entanto, ele se tornou facilmente ofuscado por um lugar melhor na hora da atração e motivo principal da minha ida a São Paulo: Ride.
No dia seguinte ao evento, após irritantes contratempos que não merecem serem citados aqui, sem querer descubro que haveria um after – termo bonito e em inglês para um show bônus, um extra, enfim – com How To Dress Well no Breve. É uma casa de shows mais no esquema coletivo, próximo de onde eu estava hospedado.
Nem o cansaço e a desilusão com a pizza de calabresa sem queijo de São Paulo – “você devia ter pedido com queijo”, me disseram dias depois – nos impediu de irmos ao local do evento, onde o ato de abertura Røkr, já se encontrava a todo vapor.
Uns acertos aqui, outros ali e começa um dos shows mais sinceros e impactantes que já vi na minha vida. Tom Krell é natural de Colorado, EUA. Além de cantor, compositor e produtor, ele também lança mão das artes visuais; sejam elas corporais ou através de um telão. Como foi o caso daquela noite.
Vestido como se estivesse na própria antessala de casa, o artista focou seu setlist no último trabalho, The Anteroom, uma verdadeira ode à experiência sônico-visual, interpretando suas músicas de mote experimental, improvisada, mas sobretudo com uma verdade fora de série.
Sem mencionar os momentos para perguntas envolvendo os poucos mais de 20 sortudos ali presentes, com respostas muito bem humoradas, garantindo ainda mais interatividade entre artista e espectador. Até pensei em perguntar: “Tom, how to dress well?” Porém, a timidez falou mais alto.
Descrever aquela noite de domingo de 28 de abril é tão difícil quanto o álbum em si. Vindo de um flerte explícito com a música pop praticada por nomes estabelecidos – uma espécie de Justin Timberlake do indie, no melhor dos sentidos – no disco Care (2016), Tom chega com um testamento “de um período onde sentia que estava dormindo fora do mundo dentro de uma solidão cósmica onde era eventualmente dissolvido”.
Todavia, experimentando sons, nuances, mas sem esconder influências sônicas como Coil, Prurient, Grouper, Gas ou mesmo uma Björk que precisa ser descoberta em seu ser.
Isso não significa que The Anteroom seja um álbum “anti-pop”. Muito pelo contrário: Krell hasteou sua bandeira do Alternative R&B na exata linha tênue que existe entre o requinte do pop e o experimentalismo exacerbado, aliando melodias atmosféricas à já endossada interpretação de suas verdades pessoais.
As “Nonkilling” (1, 3, 13 e 6) pintam viciantes quadros cinzentos em ambientações azuladas, prendendo o ouvinte nas diferentes ordens que foram colocadas. R&B dos grossos. A synthwave “Love Means Taking Action” traz o momento “fim de tarde próximo à alguma enorme palmeira de Los Angeles”. Nos anos 80, claro.
Já “Brutal” começa ameaçando um industrial, quando na verdade, entra num clima chill como cortesia para a participação do poeta vietnamita-americano Ocean Vuong.
Skinny Puppy encontra com Bel Canto em alguma geleira no ártico em “False Skull”, e também em “Nothing”, ou quase. Aliás, uma faixa bem empolgante para se fechar um álbum. Ou, de repente foi para deixar aquele gosto de ‘quero mais’.
Um ponto presente no registro, e que foi presenciado ao vivo, é a tamanha afinação de Tom. Inclusive, começando o show à capela com “Body Fat”, aqui naturalmente mais atmosférica.
E foi apenas alguns dos 13 exemplos – faixa a faixa iria estragar tudo – aparentemente desconexos de um álbum que, na verdade, está todo interligado.
Você precisa ouvir The Anteroom por ser a via perfeita para adentrar em um terreno mais elaborado sem tomar maiores sustos, já que ao longo dos bons minutos que percorrem o álbum, nada se perde. São novas descobertas e, consequentemente, viagens a cada audição.
Ah, lembram do “sem muitos atrativos nas músicas que escolhi para conhecer”? A essa altura, isso já não existia mais. Mas aí é outro disco (Care), outra resenha e, principalmente, outra trip.
Ouça The Anteroom a seguir:
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