Segundo registro do duo britânico só não é um dos grandes álbuns do ano por ser da classe de 16
Por Luiz Athayde
Quando me deparo com: “hoje em dia não tem nada legal para ouvir” ou, pior: “não tem nada que preste hoje, não ouço bandas novas”, bate aquela coceira no corpo, mas sobretudo a vontade de dizer: “talvez esteja na hora de você rever seu gosto musical”.
No entanto, “gosto” é algo particular de cada um. A saída é o silêncio, ou tecer algumas palavrinhas aqui neste espaço.
Que a música, inclusive como mercado, desde o século passado é um ciclo, isso é mais do que notável. A cada 20 anos temos o retorno reprocessado de eras que outrora foram marcantes para determinadas gerações, especialmente no rock.
Obviamente o pós-punk não ficou de fora, assim como suas deliciosas variantes. E diga-se: nunca estiveram tão em voga. Os swells sônicos voltaram com tudo, incluindo correntes geladas vindas da costa do Reino Unido, como o The Agnes Circle.
Formado em março de 2015 por Florian Voytek (vocais e guitarras) e Rachael Redfern (baixo e programações afins), o duo chegou timidamente, meio que como uma marola com Modern Idea, seu álbum de estreia lançado ainda naquele ano.
Longe do sufoco da “crise do segundo disco”, o duo engatou no ano seguinte o seu clássico instantâneo, ou, no mínimo, candidato a tal ao soltar Some Vague Desire.
Devidamente inserido no Zeitgeist sônico, o álbum mal passa dos 30 minutos, o que imediatamente impede qualquer reação de enjoo por parte o ouvinte, embora aqui seja mais fácil de viciar do que se cansar.
Sob ventos costeiros “White Gate” abre o disco em um suspense etéreo rapidamente sucedido por um pesado clima sônico, em constantes ameaças de crescendo.
O melhor já aparece na sequência. “Porcelain” viaja como pouquíssimos na – me desculpem, pela milésima vez direi – década mais fantástica ever, 80, claro. Palavras simplesmente não descrevem a atmosfera desta música que é, com folga, uma das grandes faixas dos últimos dez anos. Reza a lenda (inventada agora) que o céu se torna cinza no momento que rola esse som.
Se o ás do New Age/Electronic Michael Cretu flertasse com o gótico – embora de certa forma o tenha feito com seu projeto Enigma – “Monument” seria a faixa ideal em seus obscuros projetos, como Moti Special ou mesmo em voo solo.
“Martial Love” vem logo atrás para não dar descanso; coldwave no real sentido do termo, clima sensacional, que te impele a apertar o repeat pelo menos mais umas duas vezes.
Como não poderia deixar de ser, Joy Division é pai, mãe e outros parentescos que também envolvem The Sisters of Mercy, em especial “Underneath The Ivy”, uma das faixas mais densas do registro.
“Law of Angels” é aquela típica “dos 2000 que parece dos anos 80”, algo em torno de uma sobra arrependida do Drab Majesty, talvez o maior expoente deste tipo de som atualmente.
Pouco antes das gélidas falanges francesas obterem reconhecimento, os ingleses do The Danse Society se encarregavam de garantir baixas temperaturas na esfera gótica, e é aí que a poderosa “The Crystal Flowers” se encaixa, com toda a potência que lhe cabe.
“Under Reason” flerta com a classe de 84 ao mesmo tempo em que prepara o ouvinte para o replay, já que seu clima denota não somente o fim de um disco, como causa a ótima sensação de que poderia haver mais.
Fincando bandeira e tudo no gélido coldwave – termo francês para pós-punk –, o desejo soa longe de ser vago, especialmente ao nos depararmos imediatamente com natas influências do velho e necessário pós-punk inglês e, acima de tudo, Asylum Party, como se a missão de Voytek e Redfern fossem manter o legado deixado pelo trio parisiense.
Em suma, é sem traço se desejos vagos que você precisa ouvir Some Vague Desire.