Pequenas em estatura, mas enormes em espírito, três garotas de uma pequena vila na Lapônia mostraram que o lugar é tudo, menos Papai Noel
Por Luiz Athayde
Hoje vamos para longe. Bem longe. Especificamente para Angeli, uma pequena vila na cidade de Inari, região da Lapônia, extremo norte da Finlândia, e até mesmo do planeta. E é lá que vivem as garotas que você precisa ouvir: Angelin tytöt.
Para entender a música do Angelin tytöt, primeiro devemos conhecer um pouco de suas origens. Angeli, sua terra natal, é apenas um dos vilarejos puramente Sámi existentes na Europa. Sámi são os indígenas europeus. A gênese linguística, dividida em alguns dialetos, é a mesma do finlandês, a “Urálica” – termo derivado de uma possível nação vivida há cerca de 7000 mil anos nos Montes Urais, cordilheira que compreende os territórios da Rússia e do Cazaquistão, onde falavam o Proto-Urálico.
Embora fossem nômades, se dedicavam à criação de renas no território que hoje é atravessado por quatro países; Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia. Viviam inicialmente em “kota” (tendas feitas com tronco, pele de rena ou lona, e com uma fogueira no centro, assim como os indígenas da América do Norte) e, posteriormente, em casas de madeira. Possuem uma forte ligação com a natureza que os cercam. A noção de tempo para eles é visto de uma maneira totalmente diferente; não existe hora, minuto ou segundo; é simplesmente o que a natureza lhes dá. O ano começa na primavera, onde nascem as crias, enquanto que, no verão, trabalham com afinco, semeando e colhendo batatas, da mesma forma que estocam lenha e colhem frutas, tudo com o objetivo de se garantirem no rigoroso inverno, que pode chegar aos – 50ºC.
Do modo de viver interligado à natureza veio uma das mais legítimas formas de expressão: o Yoik. A música tradicional Sámi. Na música Sámi usa-se vários instrumentos, como o “Fadno”, feito do caule da Angélica; sendo complementado com batidas tribais, cânticos melodiosos e sussurros, que, com o passar dos tempos (mudanças culturais e queda de popularidade no século 20 devido às rádios pop e também pelo fundamentalismo religioso Luterano causado pelo “Laestadianismo”) foi se transformando; se inserindo vagarosamente na cultura pop, com a adição de climas etéreos e batidas eletrônicas.
E é nessa nova era da música Sámi que um professor chamado Eino Ukkonen juntou uns alunos para cantar no Sámi Festival em Utsjoki, cidade fronteiriça com a Noruega. Neste grupo, estavam as irmãs Ursula e Tuuni Länsmann, as próprias Garotas de Angeli (Angelin tytöt). O primeiro trabalho veio somente em 1987, uma demo gravada com a cantora sami norueguesa Mari Boine. Em 1989, um acidente de carro mata um dos membros originais daquele grupo, criando um hiato de três anos até o lançamento do primeiro álbum Dolla (Fogo/Fire, 1992), seguidos por Gittu (Obrigado/Thank You, 1993), inclusive contando com um novo integrante, Alfred Häkkinen nas guitarras e percussão, e Skeaikit (Laughter/Risada, 1995).
Com o lançamento de The New Voice Of North, elas mudam o nome para Angelit, soltando mais dois álbums: Mannú (Moon/Lua, 1999) e Reasons (2003).
Este mapeamento em 19 faixas é uma carreta de neve para quem aprecia música puramente étnica mesclada à modernidade dos aparatos eletrônicos, embora a tradição fale bem mais alto na seleta feita pelo carimbo Finlandia Records, mas sobretudo uma viagem no tempo, através de sua história e geografia, mas sem perder o caráter “entretenimento”, afinal isso aqui não é um preparatório para o Enem.
Ainda hoje, Angelit se encontra ativo, mas, até o momento, nenhum sinal sobre um possível registro sônico. Por hora, vale curtir esta excelente coletânea – o único achado, já que se trata de mais um grupo dificílimo de se encontrar – que abrange seus três primeiros trabalhos com direito a uma música nunca lançada, “Nieida” (Girl/Garota).
Saami Info:
+ Em 1994 o Angelin tytöt colaborou com os prog-metalers do Waltari na música “So Fine”, dando início a uma parceria que incluiu apresentações por vários anos. Entre os outros lançamentos estão: “Jänkhä” do disco “Big Bang” (1995), a segunda versão do single “So Fine” (2000) e o álbum “Waltari & Angelit: Channel Nordica” (2000).
+ Fez parte de uma das encarnações do Angelin tytöt o vocalista, guitarrista e membro fundador do Korpiklaani Jonne Järvelä. O mesmo já havia conexões saami devido ao seu antigo projeto Shamaani Duo, com Maaren Aikio.
+ Ulla Pirttijärvi é outra importante ex-integrante e seguiu em vôo solo, com apenas três álbuns lançados. O último “Áibbašeabmi” é de 2008.
+ Os sami não gostam do termo “lapão” por considerá-lo colonialista. Pudera! Foi um povo oprimido ao longo da história, primeiro pela igreja através do Laestadianismo de Lars Levi Laestadius, na tentativa de acabar com sua música, religião e costumes, através do estado. No fim da Segunda Guerra Mundial, os alemães queimaram todas as suas casas e os sami foram forçados a construírem todas novamente.
+ Inúmeros impasses políticos e sociais persistem até os dias de hoje, dentre eles, ao contrário de países como a Suécia e a Noruega, na Finlândia a criação de renas – animal símbolo da cultura sami – não é exclusividade das tribos, mas partilhada com o Estado.
+ Apesar do medo de ameaça a este povo indígena, há escolas, livros e até mesmo uma bandeira e um hino sami, além dos já existentes festivais, a fim de preservar sua cultura.
Ouça The New Voice of North: