Coletivo formado em Londres, Inglaterra, voltou com um novo petardo surrealista calcado no pós-punk
Por Luiz Athayde
Que delícia poder ouvir um novo álbum do Vanishing Twin após dois anos. Tudo bem que o espaço de tempo foi curto, mas para uma banda tão criativa, desafiadora, mas sobretudo instigante, pareceu mais.
Nesse ínterim, no entanto, houve poucas mudanças. Afternoon X chegou via carimbo Fire Records, com o mesmo line-up de Ookii Gekkou (2021): a cantora e multi-instrumentista Cathy Lucas, a baterista Valentina Magaletti (Holy Tongue, Tomaga, Moin) e o baixista Susumu Mukai (Zongamin).
A produção é usualmente assinada pelo conjunto e dessa vez não foi diferente. As faixas foram gravadas nos estúdios OVO e Cafe OTO, ambos em Londres; e no The Mill, em Sudbury. O trabalho de mixagem ficou a cargo de Marta Salogni (Shura, Bloc Party, Dave Gahan & Soulsavers) juntamente com a banda. E a masterização, por Amir Shoat (Infected Mushroom).
Dessa vez o trio formado em Londres na classe de 2015 resolveu refinar seu característico som hipnótico, rigoroso e ao mesmo tempo bem-humorado, com mais minimalismo. Isso sob camadas mil de psicodelia, pós-punk e algo de jazz.
No campo da arte (digo, além da música), as oito faixas soam ora dadaístas, ora surrealistas. Sim, o trabalho do Vanishing Twin é extremamente visual. Até porque se fosse só música, perigava ser só mais uma banda.
O papo já começa a ficar bom com “Melty”, com Lucas ao tecer justaposições estranhas através de sua voz cheia de efeitos. E olha que se trata apenas de uma introdução. A faixa-título, porém, esbanja groove.
É como se fosse uma tela com traços prontos que a banda usa para colorir a gosto. Como sempre, há também uma conexão forte com o cinema, ainda que inconsciente. Caberia como uma luva em Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni.
Em “Brain Weather”, o minimalismo eletrônico é a máxima, e o uso de efeitos se dá com loops, pontuais flashes industriais e outros efeitos sonoros.
“Lotus Eater” é ainda mais cinemática, se conectando com a psicodelia dos filmes dos anos 60/70. Mas a ideia por aqui é brincar com os tons de cinza, assim como o pós-punk experimental faz, porém, sustentado pelas melodias entoadas por Lucas.
Todo álbum que se preze tem seu carro-chefe. E o de Afternoon X é, definitivamente, “Marbles”. Aquele tipo de faixa feita propositalmente para ouvir no repeat, dada sua abordagem hipnótica. Quase um simulacro de La Planète Sauvage (Planeta Fantástico, 1973) – bom, a banda tem uma música de mesmo título, em clara homenagem à animação de René Laloux.
As sobreposições são amplamente exploradas na faixa mais longa do registro, “The Down Below”. Free jazz sombrio, misterioso, experimental e fundamentalmente tribalista.
Nela, o paraíso está abaixo, em algum lugar no subterrâneo, devidamente esclarecido no fantástico desfecho etéreo a partir dos 5:19 min. Viagem pouca não é. Agora, se Brendan Perry, do Dead Can Dance, fosse adepto do uso de LSD, certamente criaria “Lazy Garden”. Ao menos seu começo denota tal conexão.
Fechando o ciclo, “Subito” pega o fio iniciado na faixa 1 e traz para si a beleza da voz de Cathy Lucas. Instrumental calcado puramente no ambient, e também o momento mais palatável do álbum.
Eis mais um registro cativantemente estranho, ou vice-versa, de uma das formações mais legais desses novos tempos independentes. Vanishing Twin é o que há de melhor no paradoxo música livre feita sob a “caixa” de um fonograma. E Afternoon X é apenas o novo exemplo disso. Petardo.
Ouça na íntegra pelo Bandcamp, ou a seguir:
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