Os portugueses falaram sobre a “ditadura dos likes” que invadiu o mercado musical
Por Luiz Athayde
Essa semana o grupo indie pop português The Gift concedeu uma entrevista exclusiva para a Blitz e falou um pouco sobre a “ditadura dos likes”, Brian Eno e até mesmo sobre cantar ou não em português; inclusive fazendo relação com os brasileiros.
Sobre a motivação de tocar na era da internet:
“Hoje em dia, não há assim muitas motivações que te façam querer continuar… Ou seja, não gosto da castração da ditadura dos likes, por exemplo. Acho que é absurda para a música.”, disse o tecladista/guitarrista/vocalista Nuno Gonçalves. A vocalista Sónia Tavares completa: “Os likes são uma das coisas que nos fazem perder o romance, por exemplo”, e Nuno continua: “Quando começamos a banda, queríamos lá saber quantas pessoas gostavam da Britney Spears? Isso Importava pra quê? Não importava nada. O que é que interessa a Britney Spears tocar 35 vezes seguidas na rádio e a Björk só uma? Hoje interessa. Hoje a pobre Björk tem que competir em likes com a Britney Spears ou ainda mais baixo. Isso é uma ditadura tremenda que não me agrada absolutamente nada. E não há forma de dar a volta, porque na altura, você tinha uma indústria paralela aos grandes sucessos que alimentava os “lados b” e os “artistas b” da vida. Hoje não há espaço para isso. Os “artistas b” têm que concorrer diretamente com essa ditadura de likes e dos views. Me parece absurdo. Eu se tivesse oportunidade, no tempo do VHS, de ver 10 vezes seguidas o videoclipe do Nick Cave, não o via. Via uma vez e depois decidia se gostava ou não. Nunca tive necessidade de voltar para ver duas vezes, dez vezes, quanto mais dizer ao mundo se ele vale a pena ou não pela quantidade de vezes que eu rebobinasse o VHS. É isso que estamos fazendo hoje. É rebobinar o VHS. O Youtube é, basicamente, rebobinar o VHS novamente. E para quem gosta de música, isso não faz sentido nenhum. E outra coisa… Sabe-se lá se o número [de visualizações] que está lá é verdadeiro ou falso, o que ainda é pior, porque você é condenado se pagar para tocar sua música na rádio, mas não se pagar 1500 Euros para o Spotify triplicar o alcance as audições. Isso é uma coisa que não consigo entender”. “É tudo menos sobre música”, completa Sónia Tavares.
O grupo optou por trabalhar novamente com o renomado produtor e ex-Roxy Music Brian Eno, e lançou recentemente o Verão, dois anos depois de Altar. No entando, as críticas em relação ao trabalho com Eno não parecem ter afetado a banda, exceto pela dificuldade em fazer música nos dias de hoje. “É muito mais difícil, hoje em dia, fazer música, depois de trabalharmos com Brian Eno.”, Nuno continua: “Outro dia li um artigo sobre o novo disco do Gift que dizia que havia uma música, especificamente, que tinha claramente a mão do Brian Eno e ele nessa música nem fez nada. Mas isso sempre foi assim. Sempre achei engraçado essas coisas. Há muitos anos, o Rodrigo Leão [um dos fundadores do Madredeus] fez um espetáculo na Espanha usando slides… A máquina de slides emperrou no primeiro, que era um relógio, e a crítica no dia seguinte, no El País, girava em torno da parada no tempo enquanto se ouvia a música do Rodrigo Leão. Sempre achei essas coisas uma grande piada, esses fundamentalismos por causa de acidentes. E acho que, The Gift vai ser sempre “antes e depois do Brian Eno”, ainda que não seja nada mais do que uma pessoa que esteve fazendo música conosco.”
Sobre cantar ou não na língua materna, eles encerram a polêmica: “Não sei nem me interessa, basicamente.”, diz a cantora. Já Nuno tenta explicar: “Mas uma coisa é certa: Gift soa como Portugal. E continuam a soar como Portugal mesmo cantando em inglês. Não há dúvida nenhuma quanto a isso. Se fôssemos brasileiros, não soaríamos assim. Nem os brasileiros conseguem soar como Gift por mais que tentem. Brasileiros é uma maneira de dizer… É só para explicar que há uma portugalidade em nós, crescida nos anos 80. O Gift soa português, na minha opinião, e fico contente com isso. Eu não seria o mesmo se não tivesse nascido e crescido em Alcobaça [Região do Centro de Portugal]. E quando digo que soamos como Portugal me refiro também ao fato de que os portugueses sempre terem gostado de ir para fora [do país]. As viagens que o Gift faz, individual e coletivamente, sempre ajudaram muito. Nascemos em Portugal, mas depois os olhos viram o mundo.”
The Gift foi formado em 1994 por Nuno Gonçalves e Miguel Ribeiro. Contabilizando 10 álbuns de estúdio e uma carreira de sucesso essencialmente em terras lusitanas, a banda segue em turnê de divulgação do recém-lançado Verão com datas em teatros por todo Portugal.
Entrevista completa no blitz.pt