A banda não acabou, mas dois de seus integrantes transcenderam no âmbito criativo
Por Luiz Athayde
Os instrumentistas Raphael Grigorio e Júlio Caldeira, da banda capixaba de prog/space rock instrumental Terra Convexa, resolveram encerrar o hiato discográfico de dois anos formando um duo, para lançar o inspiradíssimo EP O Mágico de Nós.
Ambos desempenham papéis importantes dentro da formação que editou o play estendido Terra Um em 2019, e neste caso, o tino para composição “escorreu” para uma zona não definida entre o transcendental, o étnico e onírico, como atestam os músicos em comunicado.
Radicado há longos anos no ES, o especialista em percussão e efeitos sonoros (e imaginários), Júlio Caldeira, também coleciona passagens no extinto grupo de ska Sasquatch e na Malandragem S/A, do qual ainda integra. E é ele que se antecipa ao apresentar o projeto para o público:
“Esse EP é uma experimentação musical que nos possibilitou emergir em paisagens sonoras que exploram o imaginário, o transcendental e as projeções de emoções, que, por vezes pertencem ao inconsciente coletivo, mas que, na maior parte do tempo retrata apenas nossos sonhos e pesadelos.”
Já Raphael Grigorio, que atua como baixista no formato convexo, aqui lança mão da faceta mais etérea do rock progressivo/psicodélico, ao fazer uso de teclados, MIDI, guitarra e claro, mais efeitos. “O mágico de nós nasce como uma espécie de trilha sonora caótica do mundo contemporâneo que busca uma reconexão com o antepassado, mas que, na verdade, não sabe muito bem como se faz. E é por esse motivo que ele se torna vanguarda, por ser uma experiência nova, pelo menos para a gente, no universo musical”, comenta.
As 6 faixas que compõem o pequeno disco mostram, já pelos seus títulos, como “Ao Passo de Ganges”, “Ao Passo da Tartaruga”, “Ao Passo da Rã” e Mawutzinin”, as influências e referências culturais e espirituais – em especial e naturalmente do percussionista – deste ato que nasceu de forma totalmente intuitiva. Na parte musical, é quase impossível referendar algum nome, e nem é preciso dizer que a audição só se torna mais interessante por isso.
Ainda assim, para aficionados em sons etéreos, experimentações oriundas tanto do krautrock quanto da mpb, os ouvidos sentem ecos inconscientes e casuais de Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Kraftwerk (na sua era embrionária), Dead Can Dance e até mesmo de The Gathering, quando ‘atacou de’ Brendan Perry (Dead Can Dance) no clássico álbum Mandylion, de 1995.
Não bastasse toda essa viagem, que nem de longe pode ser encaixotada pelo que foi citado, há a declamação do poema homônimo do disco, assinado por Caldeira, dando um contorno especial no que já não precisava de retoques.
Dizem que arte não deve ser entregue de forma mastigada para o espectador, e se a intenção da dupla foi dificultar as coisas, a flecha passou longe do alvo; afinal, não precisa ser nenhum entendedor de música para captar e sentir o que eles quiseram passar: tirar o ouvinte da zona de conforto ou dos vícios de se ouvir uma canção sob a ótica da música pop, e guia-lo para um caminho onde o destino será decidido pelo ouvinte. E olhe que se trata de um tipo de som, digamos, nichado. Embora não devesse ser.
A bela arte de capa é assinada por Mônica Nitz e fotografia por Yury Aires e edição creditada a Júlio Caldeira. Ouça o registro completo abaixo.