Banda ícone do shoegaze voltou com uma sonoridade mais ampla
Por Luiz Athayde
Quando o Slowdive anunciou, em 2014, que iria se reunir em quase 20 anos, eu não poderia acreditar: um dos ícones do shoegaze estava de volta ao jogo.
Mas, e música nova? Teve. Melhor: álbum novo. A classe de 2017 foi presenteada com um fantástico autointitulado dos ingleses de Reading, que rendeu giro pelo mundo, incluindo lugares nunca antes visitados, como o Brasil.
A sequência natural seria mais um disco, mas não foi o que aconteceu. Uma pandemia veio no lugar e tudo ficou parado. Sem mencionar as incontáveis perdas. Em 2020, Rachel Goswell (vocalista/guitarrista) perdeu a mãe e Simon Scott (baterista), o pai.
No entanto, de alguma forma, Neil Halstead (voz, guitarra) seguiu inspirado, e contou com uma série de demos que culminaram no quinto álbum de estúdio, Everything is Alive. Este, recém-saído do forno via carimbo Dead Oceans.
Seu intuito era prover um registro eletrônico de caráter minimalista. Porém, no instante que o grupo põe a mão, as coisas naturalmente se bifurcam em vários caminhos. E o resultado foi um disco repleto de nuances, climas e abordagens. Isso em apenas oito faixas.
Aliás, vem cá… o que dizer da arte da capa, remetendo ao álbum Electronic Meditation, do Tangerine Dream? Inconsciente ou intencional? Bom, o fato é que já na primeira faixa, “Shanty” o ouvinte nota as intenções de Halstead. Cortesia de seus experimentos com sintetizadores modulares.
Mesmo com a banda quase fossilizada por um longo período, ao voltarem, o olhar foi adiante. Embora isso não os impedisse de registrar os melhores flashes do passado para transpor no presente. De certa forma, é o que acontece na bela “Prayer Remembered”, em uma sutil conexão com o álbum Pygmalion, de 1995. Em outras palavras, o mote aqui é o ambient contornado pelo pop.
Os dotes melódicos do conjunto dão as caras de forma mais reluzente em “Alife”. Mas você também pode chamar de Slowdive clássico: Rachel guiando a canção com sua voz angelical, enquanto Neil sustenta a melodia vocal ao mesmo tempo que a banda arregaça num instrumental envolto a algo próximo da neo-psicodelia.
“Andalucia Plays” não foi single, mas caberia facilmente como tal. Aqui, o prisma é o da introspecção. Mas, a que ganhou status de carro-chefe (com justiça) foi “Kisses”. Não apenas por sua pegada radiofônica, mas ao apontar uma via inesperada. Ao menos para os que contavam com algum revival etéreo. Algo como em Just For A Day (1991).
Na verdade, isso praticamente acontece em “Skin In The Game”, mas sem desviar o olhar do contemporâneo. “Chained To A Cloud” é, talvez, a que melhor apresenta o Slowdive como uma unidade.
Inclusive é possível visualizar tal homogeneidade com Neil Halstead chegando com mais uma ideia eletrônica e Simon Scott usando a bateria como rédea. Nem é preciso dizer que a voz de Rachel Goswell não se trata apenas de uma marca, e sim um tempero fundamental.
O encerramento ocorre de um jeito dúbio. Ao mesmo tempo que destoa, “The Slab” é tranquilamente o Slowdive que a gente conhece. Digo, com todas as suas ambiências.
Segundo Halstead, Everything is Alive é um álbum “bastante eclético do ponto de vista emocional, mas é esperançoso”.
Musicalmente, também. Está longe de ser um apanhado da discografia, mas, de certa forma, pega elementos de todas as fases. E, mais importante: mostra o grupo saindo da zona de conforto dos seus primeiros dias de glória, sem perder a consciência da longevidade.
Ouça Everything is Alive na íntegra a seguir: