Portugueses assumiam de vez sua veia Gothic Metal em um registro ainda sombrio, mas abrangente
Por Luiz Athayde
Neste exato dia, na classe de 1998, os maiores representantes de Portugal na esfera metálica, Moonspell, editavam um álbum controverso, mas sobretudo clássico: Sin/Pecado.
Tratá-lo nos dias de hoje como um registro polêmico soa piegas, porém, na época deu o que falar. No pior dos sentidos. E isso se explica com facilidade: o metaleiro nunca foi uma figura das mais abertas musicalmente.
Só que o então Zeitgeist sônico estava para o experimentalismo; gótico, eletrônico, industrial. Cortesia de uma série de descobertas por parte dos grandes do Death/Doom Metal, que se encontraram em uma necessidade natural de pavimentar sua discografia sob novas influências.
Entre elas, The Sisters Of Mercy, Depeche Mode, Einstürzende Neubauten e até nomes vigentes como Nine Inch Nails e Marilyn Manson, que estavam sacudindo o mainstream.
Na segunda metade da década de 90, houve uma confluência fantástica de bandas lançando mão dessa pegada, e o Moonspell não ficou de fora. Juntamente com Samael, Rotting Christ, Tiamat, Paradise Lost, Morgoth e tantos outros, a alcateia de Lisboa arregaçou as mangas para deixar seu toque pontual de vanguarda.
As gravações de Sin/Pecado ocorreram de 21 de julho e 19 de setembro de 1997, no Woodhouse Studios em Hagen, Alemanha. E foi pela dupla mais letal daqueles tempos: Waldemar Sorychta (Samael, The Gathering, The Kovenant, Dismal Euphony) na produção, e Siggi Bemm (Therion, Tiamat, Lacuna Coil, The Kovenant) com a mixagem.
A direção de arte é de Carsten Drescher; e a arte da capa, bem como seu conceito e fotografia, são de Rolf Brenner. Ele contou com a modelo Miriam Carmo para casar com o título do disco.
Das críticas proferidas pelo público, a principal foi uma das mais óbvias, ou seja, de que haviam se vendido. Para uma banda que vinha de uma sonoridade essencialmente influenciada pelo black metal, ainda que as nuances góticas sempre estivessem presentes, como o incontestável álbum anterior, Irreligious (1996), o espanto foi grande.
No entanto, o vocalista Fernando Ribeiro discorda com veemência quando os tópicos nas entrevistas são “comercial”, “se vender” ou lançar algo à frente de seu tempo. Como disse ao portal grego Depart:
“O que podemos controlar [em relação à reação do público] é representar a nós mesmos, o que ouvimos, nossas mudanças após os primeiros álbuns, nossa necessidade de experimentar, e nossa nova maturidade. Se você quiser fazer isso, não pode mentir para o público ou para você mesmo, “vamos fazer Irreligious pt .2”. É algo que foi escrito nas estrelas e nunca poderemos fazer um Irreligious pt. 2.”
E continua implacável: “O terceiro disco é sempre complicado para uma banda de qualquer forma. Seria melhor se você nunca se impedisse de fazer algo porque tem medo da resposta do público. Afinal, isso reduz o valor da plateia a um bando de idiotas que não suportam mudanças, um bando de pirralhos mimados que não conseguem ver que a banda está fazendo experiências. Alguns gostaram e outros não.”
Ainda sobre a conturbada repercussão, o vocalista fez uma reflexão baseada nessa linha do tempo. Curiosamente, a impressão acabou sendo um tanto religiosa. Como se a banda tivesse pecado – pioneiros no cancelamento? – e no fim, a misericórdia vencesse.
“Hoje, depois de todos estes anos, muitas pessoas nos imploram para tocá-lo na íntegra. Tivemos o público ao nosso lado com o Irreligious, e então eu acho que toda essa retaliação foi exagerada. Algumas pessoas foram muito más com a gente; não me esqueço disso. Isso mudou minha perspectiva sobre a música. Eu amo os fãs e os perdoo, mas o [álbum] Sin é a prova de que, se você quer ser músico, é preciso saber lidar com as pessoas sendo ingratas.”
Musicalmente, Sin/Pecado é o Moonspell se desafiando na criatividade. O prisma seguido foi assumidamente o do metal gótico, mas demonstrando uma maior abrangência em relação aos seu correligionários. Se em “HandMadeGod” vemos o sinal verde para as dinâmicas do estilo, em “Magdalene” o grupo simplesmente abraça o synthpop feito por vias alternativas.
Sem mencionar a abordagem folk em “The Hanged Man”, que inclusive serviu de salvo conduto para apresentações acústicas do grupo. Além disso, o “novo” foi uma consequência natural do que estavam ouvindo e também do line-up renovado.
Este foi o primeiro álbum tendo o baixista brasileiro Sérgio Crestana, que se juntou a Fernando, Pedro Paixão (teclado, guitarra), Ricardo Amorim (guitarra) e Mike Gaspar (bateria) após a conturbada saída de Ares.
As atividades promocionais giraram em torno da faixa-título, saindo como primeiro single. Além das constantes exibições do videoclipe feito para “2econd Skin” na MTV – inclusive no saudoso programa Fúria Metal.
Nas paradas, o terceiro disco cheio dos portugueses se saiu bem, especialmente na Alemanha (69ª posição), Áustria (25º lugar) e Finlândia (número 18).
Já no âmbito dos licenciamentos, Sin/Pecado teve lançamento mundial em CD, cassete e LP via carimbo Century Media. No Brasil, o formato CD saiu através de uma parceria entre a gravadora argentina NEMS Enterprises e a Rock Brigade Records em 1998.
Ainda:
+ Os vocais femininos em “Flesh” são da cantora alemã (finada) Birgit Zacher, conhecida por ter trabalhado com Tiamat, Sentenced e Angel Dust.
+ Mais que um videoclipe, 2econd Skin foi o EP que antecedeu Sin/Pecado. O CD 1 contém duas versões da faixa-título mais a releitura para “Erotik Alkemy”, do álbum Wolfheart, e o cover para “Sacred”, do Depeche Mode. No CD 2, músicas ao vivo da Irreligious Tour na Europa.