Músico há longos anos (e) radicado em Vitória deu detalhes sobre o processo criativo de seu álbum ‘Sábado’, e demais curiosidades
Por Luiz Athayde
Devo confessar que, quando vi a finada banda Valvulla partir de Vila Velha, Espírito Santo, para tocar em festivais como Claro Q É Rock em 2005, abrindo para o Placebo, e o Fora do Eixo em São Paulo, no ano de 2011, não imaginava que o baixista carioca de nascimento, Danilo Ferraz, iria despontar para uma carreira solo.
Na verdade, ele é multi-instrumentista e há alguns anos integra a formação alternativa/pós-punk, Volapuque – do qual também faz parte Sandro Juliati, recém-saído do grupo de hardcore, Mukeka Di Rato –, onde faz uma mescla rudimentar e influenciada por nomes como Joy Division, Tom Zé e Black Sabbath, para citar alguns. Além de ter estreado no fim de 2019 com um álbum autointitulado.
Falando em debutar, chegou a vez, há boas semanas, de seu próprio disco: Sábado. E é aí que o Class Of Sounds entrou, ao ter trocado uma (de várias) ideia (s) com este músico praticamente capixaba, mas com um leque de influências que ultrapassa fronteiras, inclusive, musicais.
Sabe a nossa sessão ‘Você Precisa Ouvir’? Então, troque pelo “Conhecer” e está tudo certo para conferir a entrevista abaixo.
Por que ‘Sábado’?
Danilo Ferraz: Acho que é o melhor dia da semana (rs). Na verdade, acho que nome curto de discos legais. Mas existe a abstração do conceito do dia especifico e a sua conclusão de aproveitar o fim de semana, sem as preocupações do cotidiano. Penso eu que é aquele dia em que você aproveitar a maior parte do dia e ser jovem sem a menor preocupação do dia seguinte, afinal de contas, o dia seguinte é apenas o domingo. O domingo é o vago preparativo da segunda-feira e a volta da rotina.
A ideia do álbum veio exclusivamente por causa da pandemia ou era algo que já estava nos planos?
Danilo Ferraz: Apesar de me considerar músico de banda e de homem-terceiro elemento das bandas, sempre pensei em experimentar algo solo para dar vida ao que estava escondido na mente. Com a impossibilidade da pandemia de me apresentar com a minha banda principal, o Volapuque, pensei em gravar isso que se considero um disco pandêmico. Foi isso: a pandemia me forçou também a gravar algo antes que eu morresse de Coronavírus. Foi um motivo nobre: o medo que nos faz vivo e fazendo música.
O álbum é solo, mas você não está nessa sozinho nessa. Para uma estreia, a quantidade de participações especiais chega a impressionar. Como você chegou a esses músicos?
Danilo Ferraz: Os convidados são amigos que eu admiro pois conheço de suas apresentações e que se encaixavam perfeitamente no álbum, e já pressentia o resultado em algumas músicas nos mínimos detalhes. Para alguns casos, pedi para que me pudessem me mandar os arquivos por e-mail após uma orientação ou uma guia, e em outros casos, os mais corajosos (risos) fossem ao estúdio e registrar.
Apesar de tocar outros instrumentos, você é mais conhecido pelo contrabaixo. Existiu alguma preocupação em não ser um “disco de baixista”?
Danilo Ferraz: Eu comecei na música como baixista, mas ao passar dos anos, entendi a formação dos acordes e das harmonias e percebi que o teclado, o violão e a guitarra não eram tão difíceis assim para pelo menos fazer um barulho. Não sou virtuoso, mas tento me expressar com todo instrumento que consigo entender os mecanismos e como a música experimental é livre, o bom e bacana é se aventurar. Eu acho legal também o conceito de o baixista ser multi-instrumentista.
Também vale destacar o trabalho de produção que está impecável.
Danilo Ferraz: Eu só tenho a intenção de agradadecer ao pessoal do estúdio Mantra, em nome do produtor Bernardo John (Auri), e do engenheiro de som, Guilherme Madeira e o Danilo Johns. Eles tiveram muita paciência comigo e os milhões de pedidos de colocar mais delay nas mixagens (risos).
Mesmo quem não conhece seu trabalho, percebe logo na primeira audição que suas influências são variadas. Seria um erro dizer que nomes como Mutantes, Arnaldo Babtista e até mesmo o Britpop se encontram presentes em ‘Sábado’?
Danilo Ferraz: Gosto muito do rock dos anos 60 e 70, e com certeza ouvi muito Mutantes, Arnaldo Baptista & Patrulha do Espaço, Rita Lee e afins, apesar de que hoje em dia, revisito de vez em quando. Mas tá no DNA do roqueiro brasileiro. Já o Britpop foi algo meio tardio, torcia o nariz pois achar algo que pasmem – revisitasse uma época. Entretanto, quando Blur, Supergrass, Oasis, The Verve e Kula Shaker vieram aos meus ouvidos, essas bandas vieram com força para nunca mais sair. Acho o Damon Albarn (Blur, Gorillaz, The Good, The Bad & The Queen) talvez um dos artistas mais talentosos da atualidade. O seu último disco solo “The Nearer the Fountain, More Pure the Stream Flows” é muito bom, do ínicio ao fim.
Em “Um Raga pra Jodô” há uma clara referência (ou, ao menos parece ser) ao cineasta chileno Alejandro Jodorowsky. E você também já lançou livros. Qual a conexão que você faz com o cinema e a literatura na hora de compor?
Danilo Ferraz: Gosto de todas as expressões artísticas por igual e sem limite de misturar as linguagens – teatro, o audiovisual, literatura, dança. A música, por eu ser acostumado desde criança, foi o que me adequei tecnicamente em me expressar, entretanto, acho a riqueza das outras linguagens reunidas no sentido surrealista, dadaísta e experimental da coisa, infinitamente abrangente. Jodorowsky é um artista de que na década de 80, chamávamos de multimídia. Ele faz teatro no cinema, abstrai poeticamente um roteiro e digamos, as inúmeras possibilidades visuais de cinema. Quando eu componho, quero criar imagens e passagens cinematográficas como Jodorowsky, Bunuel, Kurosawa, Fellini e Godard na criação de universos roteirizados imaginários.
Outro tema recorrente e quase inevitável, especialmente nos trabalhos de artistas nacionais, é a política. Por que não há nada, digamos, explícito no seu disco de estreia?
Danilo Ferraz: O amor e o sexo são atos de revolução (risos). Mas brincadeiras à parte, a política é um conceito utilizado na minha banda Volapuque, ou seja, não utilizei em sábado para não repetir o mesmo conceito. Acho que ficou incompatível com o lado nostálgico e sentimental do teor das letras do meu disco solo, Mas na minha vida pessoal, eu sempre faço questão de me posicionar. Sou Lula 2022 e Fora Bolsonaro, e claro, eu quero vacina para todos.
Um dos destaques do álbum é, certamente, a fantástica “Trem de Aquário”; embora essencialmente longa e experimental, ela soa melodiosa, palatável. Isso foi intencional?
Danilo Ferraz: Sim, queria fazer o primeiro samba rock progressivo do mundo. Apesar da psicodélica sonoridade espacial, queria algo do samba rock e do pop brasileiro, ou seja, Jorge Ben, Pepeu Gomes, Nação Zumbi com Emerson, Lake & Palmer e Krautrock alemão. O experimentalismo do concretismo que só consegui registrar, pois, o Mario (Schiavini, teclado) e Zé Tom (percussão) deram esse elemento a mais, livre, leve e jazzy, sem contar o solto (risos).
Esse viés mais livre também é perceptível em sua banda, Volapuque. Por que nenhuma dessas composições – exceto pela “Amanheceu” – foi usada?
Danilo Ferraz: A maioria das canções não se encaixava no Volapuque pelo fato que as músicas do Sábado estão mais formatadas na base linear de formato canção. Existem elementos experimentais o tempo todo, mas diferente do peso e do noise do Volapuque, a melodia sempre prevalece nos arranjos, incluindo a parte vocal. Apesar de achar sem amarras, existe um sentido de pop presente na espinha dorsal do disco. Radiofônico talvez em sua saída mais estéreo e mais alternativa de nicho “indie” em mono.
Há planos para suceder o autointitulado álbum?
Danilo Ferraz: Como componho muito, tenho material para mais uns dois discos, entretanto, gravar um disco solo é uma sensação muito boa de fazer o que desejar. O plano do primeiro disco foi feito por conta da pandemia, mas é terapêutico gravar um Long Play. Como Sábado é um disco cheio de efeitos sonoros, talvez seria bom tentar algo mais cru, mais acústico e bucólico, pois tanto os trabalhos do Volapuque quanto no Sábado possuem um peso de refletir o caos da cidade e da fumaça das grandes metrópoles e as consequências da natureza sobre nós.
E quanto a shows? Quando veremos Danilo Ferraz nos palcos como artista solo?
Danilo Ferraz: Temos dois shows marcados, dia 26 de março no Itaguaçu RockFest e dia 09 de abril, na casa Caos, no centro de Vitória. E com uma novidade: uma banda de apoio intitulada A Casa do Sol, formada por um dream team:Tadeu Guerzet (guitarra), Mário Schiavni (teclado), Cassiano Jesus (bateria, da banda Já Elvis) e Iago Tartaglia (Flauta e clarinete, da banda Gastação Infinita). Vou tentar que a apresentação ainda conte com a participação do percussionista Zé Tom e o poeta Wladimir Cazé, se não eles não tiverem nada na agenda (risos).
O evento no Centro de Vitória ainda vai contar com as bandas Animal Trees, Noite Aperto e Volapuque, exposição de Monja Medusa e Roda de conversa sobre imóveis em abandono no Centro de Vitória com representantes do coletivo BrCidades.
Agora, para encerrar como de praxe, gostaria que você citasse 3 discos que sempre estarão com contigo e 1 que jogaria em alguma lixeira da Rua Sete.
Danilo Ferraz: Essa é a pergunta mais difícil do mundo. Tenho discos de momento e talvez eu pudesse citar três que eu escuto muito: “Song for a Tailor”, do Jack Bruce, que ele lançou após a saída do Cream, “If You listen” da Francoise Hardy, e o primeiro e auto-intitulado álbum do Arthur Verocai, de 72. Os três discos foram muito ouvidos inclusive na época da pandemia e na feitura do disco Sábado.
Sobre a outra pergunta, refleti e parei numa situação. Acho que não conseguiria jogar um disco no lixo, apesar de que se um CD qualquer do Jorge & Mateus me incomoda na mesa de bar eu iria pedir para tocar outra coisa.
É isso! Muito obrigado pelo tempo cedido, e caso tenha considerações finais, o espaço é todo seu.
Danilo Ferraz: Queria agradecer ao site Class of Sounds pelo espaço, pela oportunidade e pela entrevista com ótimas perguntas. O disco Sábado está disponível em todas as plataformas digitais e dia 26 de março e 09 de abril, ambos dias de sábado, haverá show. Para finalizar, o clipe de “Rua Sete” e o formato físico ainda são os sonhos não tão distantes que vão fechar a existência do trabalho do álbum.
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Entrevista: Luiz Athayde
Fotos: Lorenzo Savergnini/Divulgação
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