12º registro de estúdio, 2º da Trilogia de Berlim e para grande parte dos mortais, seu álbum definitivo
Por Luiz Athayde
Ao que consta, mil novecentos e setenta e sete foi o ano do punk. E também da new wave: David Bowie. O disco? Heroes; décimo segundo registro de estúdio da carreira e segundo na famosa Trilogia de Berlim – aquelas férias que não foram bem umas férias, mas um retiro longe dos holofotes, e ainda mais perto do senso criativo.
Tanto que seu período de gravação foi curto; entre julho e agosto daquele ano, no Hansa Tonstudio. Na produção, Bowie e os colaboradores Brian Eno e Tony Visconti, que àquela altura já haviam assinado trabalhos de nomes como T.Rex, Gentle Giant, Badfinger e Osibisa. Além do próprio Bowie.
Da mesma forma que o disco anterior Low, também de 1977, o lado A vinha com canções, digamos, mais acessíveis, como a definitiva faixa título, incansavelmente coverizada no universo sônico. E o lado B, envolto ao experimentalismo sobretudo pelo Krautrock. Tal mistura também foi endossada pela participação do líder do King Crimson nas guitarras, Robert Fripp.
Ainda assim, na hora de editar os singles, a divisão ficou bem justa: “Heroes” / “V-2 Shcneider” (23/09/1977) e “Beauty and the Beast” / “Sense of Doubt” (06/01/1978).
Da mesma forma que The Idiot (1977), álbum de estreia de Iggy Pop, a capa, assinada por Masayoshi Sukita foi inspirada na obra Roquairol, do pintor e ilustrador alemão Erich Heckel. Uma versão alterada e obscurecida apareceu mais tarde como capa do disco de 2013 de Bowie, The Next Day.
Nada convencional, mas ao mesmo tempo despojado, Heroes reflete o zeitgeist da Guerra Fria, simbolizado pela cidade dividida. Ao comentar sobre a época das gravações, Tony Visconti revelou seu cansaço:
“[Foi] uma das minhas últimas grandes aventuras em fazer álbuns. O estúdio ficava a cerca de 460 metros do Muro de Berlim. Os guardas comunistas olhavam pela janela da nossa sala de controle com binóculos potentes.”
No entanto, a faixa-título foi inspirada em outro tema: traição. Em específico, de Visconti na sua esposa na época.
“Eu sempre disse que foram alguns amantes do Muro [de Berlim] que deram origem à ideia de ‘Heroes’”, revelou Bowie à revista Classic Rock em 2015.
Ele continuou: “Na verdade, era o Tony Visconti e sua namorada. Tony era casado na época, então não pude falar sobre isso. Mas agora posso dizer que os amantes eram Tony e uma alemã [Antonia Maass] que ele conheceu enquanto estávamos em Berlim. Acho que possivelmente o casamento dele estava nos últimos meses.”
Foi muito comovente porque pude ver que Tony estava muito apaixonado por essa garota, e foi esse relacionamento que motivou a música”.
A recepção ao álbum foi calorosa tanto por parte do público quanto pela crítica. Grandes veículos musicais como a Melody Maker e a New Music Express já chegaram nomeando Heroes como “Álbum do Ano”. Sem mencionar (e já mencionando) John Lennon, que na época dos prepares de Double Fantasy, de 1980, comentou que sua ambição era “fazer algo tão bom quanto ‘Heroes’ “.
Nas paradas, 3ª posição no Reino Unido (e lá ficou por 26 semanas) e número 35 nos Estados Unidos. No âmbito dos licenciamentos, lançamento mundial via carimbo RCA Victor incluindo o Brasil em vinil.
Ainda:
+ Em 2019 Robert Fripp entrou com uma ação judicial contra os representantes da obra de David Bowie para reclamar direitos sobre Heroes, bem como de sua participação em Scary Monsters (1980). Leia mais aqui.
+ Outra participação importante, mas apagada por conta da aparição do líder do King Crimson é a do guitarrista porto-riquenho Carlos Alomar, que além de ser co-autor de “The Secret Life of Arabia”, possui credenciais com Mick Jagger, Iggy Pop, Paul MacCartney, Soda Stereo, dentre (muitos) outros.