Primeiro registro em 33 anos faz uma espécie de redescoberta da música eletrônica
Por Luiz Athayde
Em 2023, tivemos a (realmente) triste notícia da despedida do Skinny Puppy. E, para piorar, com uma turnê limitada apenas à América do Norte.
Todavia, isso não significou a aposentadoria de um dos mentores, cEvin Key, da cena. Muito pelo contrário: ele ressurgiu com todo o gás do mundo, ao retomar um projeto (de tantos), ou melhor, supergrupo, criado juntamente com seu companheiro de SP, Dwayne Goettel.
Trata-se do Cyberaktif; formação electro-industrial completada por Bill Leeb, do Front Line Assembly. Aliás, quem melhor para esse super fechamento canadense?
No entanto, em 23 de agosto de 1995, Goettel é achado morto no banheiro da casa de seus pais em Edmonton, Alberta, por overdose de heroína. Àquela altura, o trio contava com Tenebrae Vision, debut de 1991. Registro, esse, que inclusive contou com a participação de Blixa Bargeld, do Einstürzende Neubauten.
O status de supergrupo se manteve com a entrada de Rhys Fulber (Front Line Assembly, Delerium, Synæsthesia), e, 33 anos depois, mais um álbum de estúdio, o explosivo eNdgame.
Carimbado pela Artoffact Records, o disco teve Greg Reely – produção em “Rabies”, do Skinny Puppy, e de bandas como Machine Head e Fear Factory – nos trabalhos de mixagem e masterização. Além de ter contado com Eric Peterson (In Quantum), Dre Robinson (técnico de palco/sintetizador do SP) e o produtor musical paulista Guilherme Pires (Aghast View, Aesthetische).
Com um time desses, era esperada certa expectativa em torno do lançamento, porém, olhem só: foi o álbum com a maior quantidade de acessos na pré-venda da Artoffact. Grata surpresa para o selo. Até então, o que havia de disponível era “A Single Trace”; faixa quebradiça, mas pulsante – um mix das bandas principais de seus integrantes. Mas, o melhor ainda estava por vir.
Não é “Locked Away”. Embora essa protagonize uma maravilhosa longa viagem de volta à metade da década de 90, em uma zona cinzenta entre o experimentalismo e as pistas de dança. “Bitter End”, por sua vez, estende para o lado recente do Skinny Puppy, como um elo da corrente temporal que liga hanDover (2011) a Weapon (2013).
Agora, é a vez da sonoridade do Front Line Assembly praticamente dominar em “New World Awaits”, mas sem deixar Bites (álbum do SP de 1985) mostrar sua cara distorcida e obscura.
Como nem só de experimentos vive um disco (bom, não neste caso), “You Don’t Need to See” serve para agradar ouvidos ansiosos por uma refrão. De preferência, palatável. É o primeiro momento realmente melódico, e com uma pegada extremamente futurista, partindo da ótica “Front Line Puppy”, ou “Skinny Assembly”.
Em “In Deinen Träumen”, há uma atmosfera bem The Legendary Pink Dots, especialmente da era inicial. Não à toa, esses ases ingleses da eletrônica e da neopsicodelia são uma das influências assumidas de Key. O papo aqui é minimalista, lisérgico e pintado por batidas groovadas e efeitos vocais que vão do gutural ao distorcido. Maravilhosamente experimental.
“The Fright” se aproxima daquele synthpop explorado entre meados dos anos 80 e 90. Em suma, veia nostálgica e muito, muito envolvente. Seria o ponto alto, caso a faixa seguinte não estivesse no play.
Apenas imagine o Front Line Assembly clássico trazendo uma ‘batida eslovena’ – acertou se pensou Laibach e Borghesia antigo; ou seja, pop ianque via Balcãs. E melhor, com AQUELE refrão metálico, atmosférico e melancólico estilo Nivek Ogre (voz e performances do Skinny Puppy). É assim que “Broken Through Time” soa, é desse jeito que o álbum chega ao seu ápice.
Fantástica, apesar da letra abordar dor, desesperança. E o resultado é ainda mais corrosivo se o receptor se identificar com o tema:
“Forget the tales / Reality hurts / Far too frail / To no avail / No remorse / Till the end timeless sorrow / Never bends / Golden ashes / Break the light / Ghosts of pain / Have no restraint”
“Esqueça os contos / A realidade dói / Muito frágil / Em vão / Sem remorso Até o fim, a tristeza atemporal / Nunca se dobra / Cinzas douradas / Quebram a luz / Fantasmas de dor / Não têm restrições”
Entretanto, “Spot” faz uma quebra sonora, mas não menos sombria, ao lançar mão de uma visão nada otimista da humanidade. Palavras-chave: “desolação”, “isolamento”, “fome” e “aniquilação”.
Key descreve Cyberaktif como “a experiência de descobrir todo o gênero eletrônico”, porém, eNdgame é contemporâneo como nunca, honesto como sempre e incursivo na proposta de soar tão consistente quanto o currículo prévio do trio.
Tudo bem que 2024 mal começou, mas o novo álbum desses canadenses figura seguramente entre os melhores dessa classe.
Ouça eNdgame na íntegra no Bandcamp, ou a seguir: