Petição traz assinaturas de cineastas e ex-membros da gestão da instituição
Por Luiz Athayde
A Cinemateca Brasileira corre sério risco de falecer. Há tempos sofrendo com a falta de financiamento, a instituição audiovisual foi apenas uma das que tiveram recursos cortados pelo governo brasileiro.
Com isso, nomes, como os ex-presidentes do Conselhos da Cinemateca, Ismail Xavier e Lygia Fagundes Telles, que também é escritora, o ex-diretor da instituição, Carlos Augusto Calil, o cineasta Ugo Giorgetti, a professora da USP Esther Hamburger, e os ex-conselheiros Dora Mourão e Eduardo Morettin (dentre muitos outros) assinaram uma carta onde pedem, no sentido real, socorro, dessa que é considerada a maior instituição da América do Sul.
Leia a carta na íntegra abaixo.
“A Cinemateca Brasileira, maior arquivo de filmes do país, cuja trajetória é reconhecida internacionalmente, enfrenta uma situação limite. Em meados de maio não recebeu ainda nenhuma parcela do orçamento anual, cujo montante é da ordem de R$ 12 milhões.
Após sofrer uma intervenção do Ministério da Cultura em 2013, que destituiu sua diretoria e retirou-lhe a autonomia operacional, vem enfrentando um processo contínuo de enfraquecimento institucional que culmina na atual ameaça de total paralisia.
A Cinemateca tem sob sua guarda o maior acervo audiovisual da América do Sul, cuja preservação demanda cuidados permanentes de técnicos especializados e manutenção de estritos parâmetros de conservação em baixa temperatura e umidade relativa.
Estão sob sua custódia coleções públicas e privadas que constituem a memória audiovisual do país. Além do seu intrínseco valor cultural, as obras dos produtores nacionais agregam valor econômico; são fonte de renda industrial que mantém a dinâmica do setor. A ameaça que paira sobre a Cinemateca não é a destruição de valores apenas simbólicos, mas igualmente tangíveis.
O contrato do Governo Federal com a Organização Social que a administra – Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP) – foi encerrado por iniciativa do MEC. A atual Secretaria Especial da Cultura, responsável pela Cinemateca, tem seus vínculos administrativos divididos entre os ministérios da Cidadania e do Turismo.
Essa situação esquizofrênica dificulta a atuação do governo com a urgência necessária para impedir a falência da Cinemateca, enquanto a administração pública se dedica a desenhar uma solução de longo prazo. Se o orçamento da Cinemateca não for imediatamente repassado a ACERP, assegurando a manutenção do quadro mínimo de contratados e as condições físicas de conservação, não haverá necessidade de uma perspectiva de fôlego, pois já teremos alcançado a solução final.
O descaso da Secretaria do Audiovisual do extinto Ministério da Cultura para com a Cinemateca acarretou o incêndio de fevereiro de 2016 – o quarto sofrido pela instituição em sua história – em que se perderam definitivamente mil rolos de filmes antigos, fato que na ocasião foi relegado pelas autoridades, que não tomaram nenhuma providência de reparação ou de prevenção de novos acidentes.
Em fevereiro deste ano, as instalações da Cinemateca na Vila Leopoldina (São Paulo), que abrigavam parte do acervo, foram atingidas por uma enchente. Novamente a Secretaria do Audiovisual se absteve de suas responsabilidades, não esclareceu eventuais perdas, nem adotou medidas para proteger as coleções em perigo.
Se a indiferença com o futuro do patrimônio audiovisual brasileiro persistir, as consequências serão ainda mais graves. Sem os cuidados dos técnicos e as condições de conservação todo o acervo se deteriorará de modo irreversível.
Nesse caso, quando chegar o socorro de Brasília, as imagens do nosso passado terão se tornado espectros de nossa falência como nação.”
Não é a primeira vez que a Cinemateca enfrenta percalços desta magnitude. Com gênese em 1940, quando Paulo Emílio Sales, Décio Almeida Prado, Antonio Candido de Mello e Souza, entre outros, fundaram o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, suas portas se viram fechadas em 1941 pelos órgãos de repressão da ditadura do Estado Novo.
A mesma só iria abrir em 1946, como o Segundo Clube de Cinema de São Paulo, dessa vez sob chancela de Francisco Luiz de Almeida Salles, Rubem Biáfora, Múcio Porphyrio Ferreira, Benedito Junqueira Duarte, João de Araújo Nabuco, Lourival Gomes Machado e Tito Batini, reforçando ainda mais o estudo, a defesa, a divulgação e sobretudo, o desenvolvimento da arte cinematográfica no país.
De lá para cá, ainda houveram incêndios (1957, 1969,1982 e 2016), e outras intermináveis burocracias, que denotam o caráter de resistência da mesma, com sede em Vila Mariana.
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