Em estreia discográfica ao vivo, grupo mostrou para onde não se deve ir
Por Luiz Athayde
O que uma noite inspirada não faz. O que parecia um projeto finalmente tomou ares de uma banda propriamente dita, com muito o que produzir e, especialmente, o que dizer.
Originado em Vila Velha há 10 anos por Sandro Juliatti (detentor dos microfones do Mukeka Di Rato) com uma outra formação e outro espírito, o Volapuque de hoje sequer mostra sinais de outrora, conferido por este quem vos escreve na noite do último dia 19 de outubro de 2019, no BlackBox Studio Pub, localizado em Vitória.
Tudo é novo. A casa, por propor uma via alternativa para bandas autorais – em contraponto às bandas tributo, que dominaram o mercado nacional – no melhor sistema de som do Espírito Santo, e a banda, com seu enfim, autointitulado álbum de estreia na praça.
E foi nesse clima de novidade que, após apresentações das bandas Auri e Moreati, Rochester Lima (bateria), Guilherme Leite (baixo, sintetizadores), Danilo Ferraz (guitarra, sintetizadores) e Sandro (vocais) jorraram na cara dos presentes, 7 das 10 músicas compostas no disquinho, em um desfile torto e para trás de poesia ácida influenciada por diversos autores e da mente contestadora de Sandro.
Apesar do nome Volapuque circular no underground local, eu sequer sabia o que iria encontrar, não conhecia absolutamente nada da música que iriam tocar, e esse foi mais um atrativo para conferir a apresentação da rapaziada. Ao abrirem com “Eu (Maiakówski)”, minha empolgação foi proporcional a atmosfera de surpresa do modesto público local, que inicialmente tentava entender o que aqueles caras estavam fazendo.
Na sequência veio “Amanheceu”, em uma pegada que certamente faria Ian Curtis sambar se “Wilderness” tivesse sido escrita no Brasil. Mais contemplativa, “Fluxo” foi onde deu para sacar melhor a performance de Sandro em relação ao Mukeka, e curiosamente, ali o cantor parecia mais ele mesmo.
A essa altura, o público se mesclava entre insosso e “o que está acontecendo aqui?”, até soltarem a mais, digamos, acessível “Chovendo Querosene”, em uma ligeira psicodelia Floydiana de soar como um Black Sabbath na beira do valão. “Sem descanso e sem piedade” o grupo engata “Esboço”, provável cadeira cativa no repertório da banda, por sua aura genuinamente pós-punk de fazer tecer olhos tortos a falanges como Gang of Four e Modern English.
Em um belíssimo casamento entre o baixo de Guilherme e a batera de Rochester, veio “Lodo”. Ao entrar as guitarras de Danilo, Sandro adentra na conversa iniciada por Fugazi e Tom Zé na parte mais escorregadia da música; para não dizer lodo mesmo. De longe uma das canções mais fortes do Volapuque.
Após pedidos de desculpas por “incomodar” os presentes com sua parede de doideira sonora, a banda encerra com sua canção mais visual. A característica interpretação de Sandro aliada ao troca-troca de instrumentos protagonizado por Guilherme e Danilo, “Curva” nos levou diretamente para as piores curvas das estradas brasileiras, no mesmo ritmo das voltas que os engravatados nos dão a cada 4 anos ao trocarem de cadeiras.
A noite do último dia 19 mostrou a singularidade de uma brigada com currículo para desbravar outras fronteiras, especialmente as que são abertas a sons fora da tradicional fórmula início-refrão-solo-refrão-fim. Quem esperou algo próximo do Mukeka Di Rato provavelmente saiu decepcionado, já que o Volapuque é algo tão diferente que soa ofensivo qualquer sinal de comparação.
São duas bandas completamente distintas, inclusive no que diz respeito a bagagem de influências sônicas, que ali se revelou diversa; e o melhor: cheia de possibilidades. Que aquele maravilhoso clima de “esquenta” possa gerar apresentações ainda mais bombásticas e para um público mais aberto a encontros casuais entre o “reto” e o “torto”, como é envolta a sonoridade destes nadadores anti-correnteza de Vila Velha.