Quando dois titãs do art pop se reúnem, dificilmente ocorrem margens de erro
Por Luiz Athayde
Em 2002 o pilar do trip hop, Portishead se encontrava em uma entressafra. Ninguém dava sinal de vida discográfica desde o clássico Dummy, álbum de 1997. Ainda mais embalsamado estava o Talk Talk, conhecido pelo grande hit “It’s My Life”, até hoje tocado nas diais da vida. Última aparição em disco? Lá em 1991, com Laughing Stock.
Em contrapartida, integrantes de ambas as bandas mantiveram suas atividades sônicas bem ativas, a ponto de cruzarem seus caminhos, como foi o caso da vocalista Beth Gibbons e o baixista e compositor Paul Webb, também conhecido como Rustin Man.
A fim de juntar suas influências de jazz e folk, especialmente de nomes, como Nina Simone, Billie Holiday e Nick Drake, o duo registrou, via carimbo Go Beat!, o álbum Out of Season, em 28 de outubro de 2002.
Em uma primeira impressão, o ouvinte pode pensar se tratar de um trabalho íntimo de estúdio, tendo somente os dois mais um ou outro alguém no processo de gravação. Errado: a dupla contou com cerca de 8 pessoas envolvidas em funções como produção mixagem e efeitos, incluindo, claro, os próprios autores, e mais de 40 músicos, dentre eles, o baterista Lee Harris, outrora companheiro de Webb no Talk Talk, e um dos parceiros de Gibbons no Portishead, o multi-instrumentista Adrian Utley; além de músicos que tocaram com Rory Gallagher, Alison Moyet (Yazoo), Elton John e outros.
O resultado não poderia ser outro: inspiradíssima peça bucólica com traços mais sutis – à Massariana – de “trip alguma coisa”, mas ainda marcantes. Folk contemporâneo também serve, assim como modern classical, soul, chamber folk e o que mais couber na sua caixa de sensações.
Meio anti “faixa a faixa” que sou, prefiro não apontar uma favorita ou momento de pico, já que todas soam redondas, cada qual com suas nuances. Veja, ou melhor, ouça “Mysteries” por exemplo; mesmo com Joni Mitchell estando nessa há vários anos, é uma música que certamente nunca deixará de ser agradável. Ou “Romance”, onde Gibbons voa em direção aos mares que lhe deram fama. Blasé sim, mas com gosto.
“Tom the Model” é a que possui o refrão (sim, refrão) mais pegajoso, ainda que possua vários elementos. Na verdade é uma das sacadas do disco; soar acessível com arranjos (por vezes) complexos. No momento em que escrevo, essa é a predileta da casa. Mas sempre muda.
Outra coisa atrativa no álbum como um todo é o mesmo ser extremamente cinemático, a começar pela capa, como se fosse uma trilha sonora de um drama de Tony Richardson – Um Amor Sem Esperanças (1964), Equilíbrio Delicado (1973), etc – e o trabalho de arte no encarte – por isso o amor eterno pelo formato físico.
Você precisa ouvir Out of Season por ser um disco sintomático; fora de estação, distante do mainstream voltado para o rock alternativo, o indie pastoso e o pop cancerígeno causado pela indústria; além de ser uma belíssima opção para momentos na varanda com a amada, ou amado, juntamente com uma mironga travestida de bolo de cenoura e café bem quente. Discaço.
Out of Info:
+ E por falar em filmes, a faixa de abertura, “Mysteries” figurou duas trilhas: o longa francês de 2005 Les Poupées Russes (Bonecas Russas), de Cédric Klapisch, e Palermo Shooting, de 2008, dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders.
+ Embora tenha discorrido como se tratasse de um álbum subterrâneo, Out of Season foi muito bem, obrigado nas paradas. Para citar alguns números: 28ª posição no Reino Unido, 19º lugar na França, 13º na Alemanha e 6ª colocação na Noruega. Em 2019 rolou uma reedição em vinil e suas consideráveis vendas o fizeram alcançar o 24º lugar na parada britânica.
Ouça Out of Season no Spotify: