O primeiro álbum bem sucedido de sua história enfrentou descrença dos próprios integrantes
Por Luiz Athayde
Hoje um clássico do metal gótico de orientação sinfônica aniversaria. A classe de 1996 – e ao menos mais cinco subsequentes – foi marcada por mudanças drásticas nessa esfera, com bandas de death, black e doom metal ousando mais, experimentando novas sonoridades.
No entanto, poucas inovaram como Therion em Theli. Liderado pelo músico e produtor sueco Christofer Johnsson, o grupo vinha de quatro tentativas mal sucedidas de alavancar a carreira, mesmo com o mercado de música extrema a seu favor.
“Eu tinha feito quatro álbuns, mas a maioria deles parecia muito estranha na época para atingir um público maior”, recorda Johnsson. “Até então, tudo tinha sido difícil. Sem dinheiro, difícil de conseguir turnês e as constantes restrições de trabalhar com orçamentos que limitavam o potencial artístico.”
Na verdade, aquele período foi bem pior. Tudo bem que do ponto de vista de qualquer brasileiro médio, pode parecer perfumaria, porém, o ele ainda consegue surpreender pelo nível de perrengue.
“Meu orçamento mensal para alimentação antes de Theli era de 500 coroas suecas (cerca de 50 euros/60 dólares), o que, obviamente, valia mais naquela época do que hoje, mas, por outro lado, a Suécia era um dos países mais caros do planeta.
Eu comprava todos os meus alimentos em duas lojas concorrentes de preços baixos chamadas Rimi e Spar inn (significa “economizar”, elas podem ser comparadas ao Lidl). Durante grande parte do mês, isso significava macarrão da Rimi com ketchup da Spar Inn.
Como não tinha dinheiro para pagar o transporte público, entrava sem pagar no trem local, o que, além de ser moralmente questionável, também era muito estressante e sempre havia o risco de ser pego e receber uma multa de mais ou menos todo o meu orçamento mensal de alimentação.”
Contudo, eis a virada. Por “um milagre que só os deuses nórdicos” (palavras do próprio músico), a Nuclear Blast Records concordou em aumentar o orçamento. Foi então que, entre janeiro e março de 1996, no estúdio Impuls em Hamburgo, na Alemanha, a banda registrou seu quinto álbum.
Os trabalhos de captação e produção são assinados por Gottefried Koch e Jan Peter Genkel; este também responsável pela mixagem e a masterização. Eles são conhecidos por suas atividades no Lacrimosa, que só daí já se mostrou ser uma escolha assertiva.
Johnsson explica: “O estúdio foi escolhido pela Nuclear Blast porque eles tinham dois produtores/engenheiros trabalhando lá: Jan Peter Genkel, que era o cara do rock, e Gottfried Koch, que era o cara da música clássica. Dois corais foram contratados: o North German Radio Choir para o vocal operístico e o Coral Siren para o conjunto vocal na parte rock em Siren of the Woods (que coincidência com o nome!) e In Remembrance (que nunca entrou no álbum).”
Tudo estava correndo nos conformes, até os produtores acenarem negativamente para a gravação. Segundo eles, as músicas corriam em um ritmo desconexo. A solução óbvia foi usar o clique.
“O baterista Piotr, que tinha experiência como baterista punk, não ficou nada feliz, achou que era uma grande besteira”, contou o líder. “Então, para manter um humor aceitavelmente positivo, ele bebia cerveja o dia todo enquanto gravava. Ele tomava 10 cervejas por dia, então estava longe de estar sóbrio no final do experiente. Isso estabelecia alguns padrões para o resto da banda.”
Ele acrescenta: “Não tínhamos muito dinheiro para gastar, mas era possível comprar uma Hansa Pils no Penny Markt por 49 pfennig (equivalente a 25 centavos de dólar), então metade do dinheiro da comida era gasto com isso. Assim, o restante dos rapazes também ficava bêbado ou de ressaca durante toda a gravação. Essa é a desvantagem de ter toda a banda no estúdio, pois isso tende a deixar a atmosfera um pouco mais solta.”
Todavia, manter a banda focada na execução das músicas foi apenas uma fração de um contexto maior: as composições. O Therion nunca escondeu suas influências de Celtic Frost, que por sua vez nunca teve medo de arriscar. Seja inserido música eletrônica ou clássica no death metal. Inclusive, sua alcunha vem do álbum The Mega Therion (1985), do grupo suíço – embora a gênese de ambos venha da filosofia de Thelema.
Uma das grandes influências em Theli foi o disco Atom Heart Mother, do Pink Floyd. A ponto do lado sonhador (também conhecido como artístico) de Christofer Johnsson tomar conta e pensar que seria legal ser reconhecido por gerar um álbum equivalente de metal.
“Mas meu lado realista me lembrou de como nossos álbuns anteriores não tinham conseguido obter um impulso maior por terem uma sonoridade muito estranha (à frente de seu tempo, pode-se dizer hoje)”, disse Johnsson, antes de revelar o pior.
“E o fato de que até minha própria banda tinha sérias dúvidas não ajudou. Lars [Rosenberg, baixista] odiou. Jonas [Mellberg, guitarrista] achou que era bom, mas muito distante do Therion. Não me lembro o que Piotr [Wawrzeniuk, baterista] achou, mas ele ficou pelo menos tão surpreso quanto os outros. Eles se surpreenderam porque não foram feitas demos.
Eu apenas ensinava as músicas na sala de ensaio e dizia: “Haverá um pouco de coral e teclados e alguns vocais convidados”. Eles não tinham ideia de que seria tão sinfônico e operístico, achavam que seria mais como o [álbum anterior] Lepaca Kliffoth, com alguns sabores adicionais colorindo o álbum em uma ou duas músicas. Então, eu tinha uma banda em choque e um álbum que soava como nada que alguém já tivesse ouvido no cenário do metal.”
De fato, a nova fase do Therion nasceu singular. Os nomes mais próximos eram Haggard, da Alemanha, e o austríaco Angizia, porém, não apresentavam o mesmo dinamismo. Mas o esforço valeu tanto a pena que Theli foi o álbum mais vendido da gravadora naquele período. Além ter rendido turnês bem-sucedidas, especialmente na Europa.
Claro que isso também inclui grana no bolso. O guitarrista comenta: “Quando o dinheiro das composições começou a chegar, um ano após o lançamento, eu pude me dar ao luxo de comer normalmente e até comprei meu primeiro carro – um antigo BMW 316 de 1981 que comprei por 700 euros do baixista do Morgoth”.
As atividades promocionais fora os palcos se limitaram a somente as faixas: “To Mega Therion” (que ganhou videoclipe) e “The Siren of the Woods”. O formato físico desta contém, “Cults of the Shadow (Edit version)” e o b-side “Babylon”.
Por falar em lançamentos, Theli saiu em boa parte da Europa via Nuclear Blast e no Japão pela Toy’s Factory. Entretanto, no Brasil o CD só teve sua primeira prensagem em 2004 pela Paradoxx Music. A segunda veio carimbada pela Shinigami Records em 2019, e traz os mesmos bônus da edição japonesa – “In Remembrance”, “Black Fairy” e o cover “Fly to the Rainbow” (Scorpions).
Ainda:
+ Peter Grøn assina a arte de capa; ela representa o deus egípcio Seth.
+ Theli foi o último álbum a contar com os vocais de Christofer Johnsson até “Lemuria”, de 2004.
+ O registro também marcou a estreia do escritor, ocultista e fundador da ordem mágica Dragon Rouge, Thomas Karlsson, como letrista, embora nunca tenha sido um membro oficial da banda.
+ A bebedeira no estúdio teve suas consequências. Jonas Mellberg saiu da banda logo após o lançamento do álbum devido a problemas graves com o alcoolismo.