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Shame – Food for Worms

Se caos era a palavra do álbum anterior, dissonância organizada define o mais novo disco da falange londrina

Por Luiz Athayde

Que safra é essa. Aquele papo de “eu era feliz e não sabia” definitivamente não cabe em uma era onde Idles, Viagra Boys, Dry Cleaning e Working Men’s Club, só para citar alguns, tomam de assalto o cenário alternativo. Também entram nesse bolo, claro, os sem-vergonha do Shame.

Shame (Foto: NME)

Quem teve a oportunidade de conferir shows do grupo londrino (inclusive no Brasil) sabe muito bem do poder de fogo deles. Nada diferente foi na recente e avassaladora apresentação no Glastonbury Festival 2023, com o público servindo de espelho para a energia emanada dos palcos.

Ok, mas e no estúdio? Refratários, eu diria. Charlie Steen (voz), Eddie Green (guitarra), Sean Coyle-Smith (guitarra), Josh Finerty (baixo) e Charlie Forbes (bateria) chegaram no terceiro álbum, Food for Worms, tão sujos e garageiros como no registro anterior, Drunk Tank Pink (2021).

É, mas ao mesmo tempo, sem deixar o aparato melódico e momentos quase que interlúdio de lado. Uma espécie de dissonância organizada, por assim dizer. Já que se trata de uma extensão natural do que foi lançado no período da pandemia.

A produção é assinada por, pasme, Flood – ele mesmo: Depeche Mode, Cabaret Voltaire, The Sound, Nine Inch Nails e vai –, e só daí já se sabe que se trata de um registro consistente no que diz respeito a peso, nitidez e potência. Especialmente quando vem de um grupo tão enérgico.

Sua duração mal passa dos 40 minutos. O que também diz muito da mentalidade da (hoje não tão) molecada britânica. “Fingers Of Steel” começa com um ataque David Bowie ‘Disco’ para dizer que ainda é uma banda acessível.

Até que vem “Six-Pack” para fazer tudo cair por terra, tentando se apresentar como um irmão mais arrumado de “Fast and Loose”, do Motörhead. Mas não se engane: foi justamente nessa música que o público foi à loucura no icônico festival acima citado. Ponto alto.


“Yankees” dá aquela pisada no freio ao migrar para um melodioso pós-punk encapsulado pelo post-hardcore de nomes como… aliás, único possível aqui: Fugazi. Seu tema aborda o fantasma do relacionamento abusivo. A subsequente “Alibis” soa ainda mais ácida e barulhenta que qualquer empreitada feita por Ian McKaye. Curta e grossa.

Por outro lado, desavisados que ousam começar sua audição por “Adderall” podem se confundir com algum momento radiofônico dos caras. O mesmo vale para “Orchid”, onde seguem pela ensolarada linha folk. Na verdade, nada como uma boa respirada antes de quebrarem tudo novamente com “The Fall Of Paul”; art/post-punk diretamente torto como só os britânicos sabem fazer.

“Burning By Design” surge remetendo aos anais do pós-punk. Ou em uma época que a máxima do experimentalismo era comandada por um certo Public Image Ltd., ainda que a mesma ecoe nomes do naipe de The Sound e o inevitável Joy Division.

O engate é feito com “Different Person”, que embora misteriosa, desemboca em uma maravilhosa cadeia de contratempos, melodias em um climaço/clímax de garagem. Em “All The People”, a banda encerra celebrando o amor de amigo com as mãos para cima por quase seis minutos.

Sabe-se lá o que será da banda se continuar crescendo dessa forma, e me refiro também ao âmbito criativo. Mas, como o que interessa é o agora, Food for Worms consolida o que o Shame vem fazendo essencialmente há cinco anos. Melhor álbum da sua jovem discografia.

Ouça na íntegra pelo Bandcamp, ou a seguir, via Spotify:

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