Pianista norte-americano se consolida como um maestro da fusão do jazz ao clássico… e música árabe
Por Luiz Athayde
O pianista norte-americano Ryan Cohan está de volta com um novo trabalho. Ou podemos nos referir ao sucessor de The River, de 2013 como “O” trabalho.
Também compositor, arranjador, líder de banda e até mesmo professor, o músico natural de Chicago, Illinois sempre esteve presente nos terrenos compreendidos entre o jazz contemporâneo e a música clássica, mas um giro árabe feito há alguns anos reverberou em sua alma criativa.
Quando pela primeira vez em Amã, na Jordânia, Cohan disse ter se sentido em casa. “Depois de cada apresentação ou ao explorar as ruas, as pessoas vinham até mim e perguntavam se eu era jordaniano. Os habitantes locais viram claramente algo reconhecível em mim, assim como eu vi neles. Foi surreal”, revelou o músico, em nota oficial.
Daí, o insight. Ou a primeira parte de: Cohan correu para buscar suas origens palestinas, não apenas pela experiência vivida, mas por haver certa desconfiança de que sua família paterna vinha de lá. Não deu outra; reencontro com o pai e o tio – que não tinha contato desde criança – e de bônus, a descoberta de três meio-irmãos.
E Originations é justamente sobre isso. Uma redescoberta de si mesmo em seis atos, indo muito além do mero sintomático.
Para a jornada sônica, Cohan contou com um time de peso: James Cammack (baixo acústico), Michael Raynor (bateria), John Wojciechowski (flauta, flauta alto, clarinete e saxofone tenor), Geof Bradfield (clarinete baixo e saxofone soprano), Tito Carrillo (trompete e flugelhorn), Omar Musfi (riqq, frame drum & dumbek) e o The KAIA String Quartet, que é compostor por Victoria Moreira (violino), Naomi Culp (violino), Amanda Grimm (viola) e Hope DeCelle (violoncelo).
Envolta entre o suspense e o drama, “The Hours Before Dawn” abre o registro diretamente influenciado pelo poeta palestino Mahmoud Darwish (1941-2008), o que naturalmente o levou a acrescentar o maqam (modo melódico heptatônico; na música árabe e persa é utilizado tanto para instrumentais como vocal) à composição.
“Imaginary Lines” voa livre com seu leque de influências, movidos a instrumentos de sopro, e que também serve como uma bela síntese do álbum.
Ao modo cohaniano, “Heart” soa como uma típica peça para piano, com toda sua dimensão melódica e sensibilidade para ambientações. Inclusive é onde há o toque especial do sax de Wojciechowski, trazendo um dos pontos altos para o disco.
“Sabra” soa mais alegre. Ainda que seus arranjos tenham partes extremamente intricadas, a predominância do groove envolve o ouvinte logo de cara. É de longe, uma das composições mais arrojadas de Cohan.
Na sequencia, temos “A Seeker’s Soul” e seu bate-papo entre piano e saxofone – curiosidade aleatória: a banda de gothic rock The Sisters of Mercy é conhecida por suas inúmeras faixas não lançadas oficialmente, e uma delas é “Sandstorm”, toda no saxofone, uma espécie de spin-off de “Dominion”, que inclusive teve clipe gravado na Jordânia; conexões… –, onde a música clássica definitivamente toma forma.
O desfecho se dá com “Essence”. Um verdadeiro festival de variações rítmicas, solos e grooves a perder de vista, já que nesta faixa a banda toca sem amarras ou padrões. Como consequência, um mix de sensações ao longo dos seus pouco mais de 12 minutos de duração.
Para quem possui um currículo que inclui outros cinco voos solo e colaborações com Ramsey Lewis, Freddie Hubbard, Regina Carter, Curtis Fuller e tantos nomes, mais um álbum, especialmente nesta pandêmica classe de 2020 seria das duas, uma: cumprir tabela e evitar a loucura pelo isolamento social ou extrair (mais uma vez) o que possui de melhor: mixar suas referências em uma peça inspirada, e se possível, deixar uma marca na vasta história do jazz.
E com Originations a segunda opção não apenas se mostra certa, como suas chances de carimbar o âmbito contemporâneo do jazz são enormes. Candidato a melhores do ano.
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