Músico gaúcho buscou inspirações no beatle mais místico para compor estreia discográfica
Por Luiz Athayde
Rock aliado à psicodelia não é algo necessariamente novo no DNA dos músicos oriundos do Rio Grande do Sul. E se olharmos partindo do prisma do atual status quo sônico, essa vertente lisérgica da contracultura vem tomando ares diluídos, inclusive pela quantidade massiva de bandas surgidas nos últimos anos. No Brasil e mundo afora.
Conhecido por comandar as quatro cordas do Cachorro Grande entre 1999 e 2019, agora o cantor e compositor Rod Krieger está dando sua primeira mordida solo, em formato de disco cheio.
A Elasticidade do Tempo acabou de ocupar as prateleiras sônicas com uma certa familiaridade entre os fãs. Isso porque praticamente metade do registro foi apresentado em singles digitais. Alguns com direito a produção videoclíptica, como não poderia deixar de ser.
Residindo em Lisboa desde meados de 2019, Krieger gravou sua estreia discográfica no Canto da Coruja Estúdio, em São Paulo. A produção tem assinatura própria, em parceria com Ricardo Prado. Já a bela arte foi arquitetada por Marina Abadjief, com foto de Daryan Niño Dornelles.
Em uma palinha para o Class of Sounds, o gaúcho contou qual sentimento é emanado ao ladrar, no melhor dos sentidos, sem as amarras do grupo do qual dedicou dez anos de sua vida.
“Todos os sentimentos, é uma espécie de viagem transcendental, uma viagem no tempo parecida com os filmes que cresci vendo na televisão aberta. Na Cachorro Grande éramos 5 compositores e toda a obra acabava virando uma coisa só, com a cara de todos. Hoje é muito estranho lançar algo e não dividir o estúdio, audição e momentos com eles, mas ao mesmo tempo me sinto leve, pois acabei fazendo as coisas do meu jeito. Tô feliz de um jeito diferente, mas feliz.”
E é algo notável logo no primeiro single, lançado em 2018. “Louvado Seja Deus” traz, logo de cara, a canja de ouro do mutante Arnaldo Baptista, mostrando que todas as vias apontam para a direção contrária do seu ex-grupo.
Mas é em “Todos Gostamos de Você” que Krieger revela seu norte: a “psicodelia” de orientação indiana, guiada pelo beatle mais místico, George Harrison. Do período dele no Radha Krishna Temple, grupo com meteórica passagem pelo plano terrestre.
“Despertar” foi outro single que viu a luz do dia antes do álbum. Tranquilamente um dos pontos altos, não tenho dúvidas de que se essa faixa fosse criada nos anos 1990, as comparações com Beck, Supergrass e até mesmo The Chemical Brothers se fariam presentes. Ao mesmo tempo é aí que o ouvinte nota a enorme presença de falanges sessentistas na música inglesa – e em Krieger.
Isso inclui também a maneira de cantar, uma espécie de cartilha inconsciente usada no período da lisergia, vide “Cores Flamejantes”.
“Sobre as Ondas” não ganhou single, tão pouco videoclipe, mas as suas melodias acessíveis lembram e muito o que outrora figurava as diais brasileiras.
Como um mantra, “Raio” é a faixa que acerta em cheio com seu dinamismo nos arranjos e, mais uma vez, belíssimas melodias que têm como mote nada além do que levar o ouvinte à sua própria viagem pessoal. Seus pouco mais de dois minutos mereciam pelo menos o dobro.
O Brasil nunca esteve de fora no trabalho de Krieger, e “Disco Voador” é a prova disso. Basta ouvir os primeiros segundos para notar o aflorado lado “mutante” do músico.
O encerramento se dá em “Vai com Deus”; balada desértica envolta a um groove sem deixar nada a dever aos “The Verve da vida”.
Rod Krieger não chegou à classe de 2020 dizendo que inventou a roda, mas pode regozijar-se por obter um trabalho extremamente coeso, inspirado, sofisticado e cerebral. Tendo em vista que o ponto mais notável em A Elasticidade do Tempo é a potência criativa de um artista que sabe o que quer e, principalmente, o que está fazendo.
Para quem mal cortou laços musicais (mas não afetivos) com um grupo de tanto sucesso como o Cachorro Grande, maturidade é uma percepção meramente relativa. Justamente por estarmos diante de um dos grandes álbuns nacionais do ano, e olha que 2020 sequer começou.
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