Formação cearense apresenta um leque aberto do que foi o pop dos anos 80
Por Luiz Athayde
A essa altura do campeonato, nem precisamos dizer o que a década de 80 representa para uma boa parcela dos fãs de música, em especial quando o assunto é pop.
São inúmeras bandas surgidas nos últimos tempos, e dos mais variados tipos; sendo parte delas, sem sequer terem nascidas naquele período, quiçá vivido tal efervescência. Os cearenses do Pontagulha se enquadram nessa configuração, sobretudo pela qualidade do material apresentado em seu álbum de estreia, Perante o Caos.
Abraçando com maestria uma sonoridade que envolve new wave, synthpop, pós-punk e até gothic rock, o trio formado por Lucas Caducco (voz/guitarra), Guilherme Santos (baixo) e Gabriel Pelenson (bateria, synths e produção) já chegou com pinta de gente grande ao antecipar o disco com alguns aperitivos, como “Uma Prisão”; uma pedrada nostálgica na veia de Moti Special – salve Michael Cretu –, mas com aquele viés retrô dos moldes atuais. Ou a maravilhosamente melancólica “Tarde Demais”.
Ainda sobre os singles, impossível não destacar “Conflitos”. A fusão de New Order e Depeche Mode em uma canção como influência não é necessariamente uma novidade, mas aqui os garotos da cidade de Uruburetama conseguiram alcançar um resultado singular. Sem mencionar que é daquelas faixas que te instigam a apertar o play pelo menos mais duas vezes.
Na verdade, esse é basicamente o mote das 13 faixas do registro, que embora traga uma certa homogeneidade, se bifurcam em abordagens sutilmente distintas. Mais exemplos? Ouça “Efeito Borboleta” e depois se surpreenda (mais uma vez) com “Ciclos”. Enquanto uma parece ter saído de algum lado b de single do cantor Den Harrow, a outra encarna um híbrido furioso entre The Sisters Of Mercy, quando nas rédeas do Vision Thing (1990), e o A Flock Of Seagulls da classe de 1982.
Por passar por tantas referências, por vezes sombrias, a temática do disco passa longe da irreverência. A sintomática “Covid” é o melhor dos exemplos, inclusive por sublinhar o Estado das Coisas que se moldou com a pandemia.
Mesmo com todo esse baixo astral no país, ou talvez, justamente em função disso, os artistas do subterrâneo nacional mergulharam como nunca nas suas produções sônicas. E o melhor disso tudo é que saiu música com chances consideráveis de passar no tal teste do tempo, ainda que se trate de um nicho dentro da esfera oitentista. E é claro que o Perante o Caos, bem como boa parte do cast do carimbo Systemica Records, está nessa. Agora é esperar passar o caos, até que nosso perante seja apenas a música.
A estreia discográfica da banda pode ser conferida – e adquirida no formato CD – na íntegra pelo Bandcamp, ou abaixo, no Spotify.
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