Da Rússia à Lituânia, passando, é claro, pelo Brasil e até Turquia, o que mais surge são bandas excelentes de todo o planeta numa cena que não deve nada a ninguém, a não ser aos amantes da boa música
Por Fabio Martins
Logo no início da primeira década de 2000, bandas como Interpol, She Wants Revenge e Editors lançaram seus (ótimos) primeiros álbuns e a mídia indie já os tachou de post-punk revival. O resultado? Um hype tremendo e, poucos anos depois, a tal cena se esvaiu, fosse por discos de qualidade duvidosa lançados por essas mesmas bandas logo depois, fosse pela total negação desses mesmos artistas às influências que saltavam na cara de todos (Joy Division, claro), com nobre exceção ao She Wants Revenge, cujos integrantes sempre citam em suas redes sociais bandas clássicas como inspiração – mas o problema do “segundo disco meia-bomba” persiste mesmo com eles…
Baixada a poeira do hype, o que sobrou? NADA! Era a hora de recomeçar do zero! Como assim? Explico a seguir.
A partir de 2010, começaram a surgir bandas absolutamente ótimas e sem qualquer compromisso com cena hypada do momento. Uma delas, o Light Asylum, já chegava com os dois pés no seu peito com uma sonoridade que partia do post-punk e seguia em direção… ao electro funk! Tudo isso comandado pela voz e presença de uma vocalista negra soberba (Shannon Funchess), que encarnava uma espécie de Grace Jones gótica! Isso era um sinal claro de que algo relevante estava acontecendo…
Outras maravilhas surgiram simultaneamente, quase sempre tendo formações em dupla ou como banda completa mas com bateria eletrônica (há exceções), tais quais The KVB, Ash Code, Ritual Howls, The Soft Moon, Linea Aspera, Second Still, ACTORS, Drab Majesty, Lebanon Hanover, Sextille, Soviet Soviet, Velvet Condom, Bleib Modern, She Past Away, Boy Harsher, entre várias outras.
Semelhanças entre elas? NENHUMA! Cada grupo ali estava era criando seu próprio universo sonoro e influenciando àqueles que surgiriam logo em seguida.
Pois bem, para vocês verem como a coisa é recente, a partir de 2015 o negócio simplesmente explodiu, fazendo brotar bandas fantásticas de tudo quanto é parte do planeta. O Brasil, claro, não ficou de fora, e várias bandas nesta linha, algumas como projetos paralelos de integrantes de grupos já conhecidos, estão surgindo a todo momento e que cabem num post específico sobre elas, aliás!
A seguir, você poderá acompanhar seis setlists mixados e comentados por este que vos escreve, sob a batuta da Substance Party, e tudo SÓ COM BANDA NOVA! Acredite, mas são mais de CEM BANDAS NOVAS listadas abaixo. E elas não param de brotar de todos os cantos inimagináveis! Vários selos musicais estão lançando seus discos quase sempre incluindo caprichadas edições em vinil colorido, apesar da cotação indecente do dólar/euro atual inviabilizar a compra para nós, do combalido país em que vivemos…
OBS: Sobre os setlists comentados, é impossível destacar somente três faixas de cada um, pois todas foram cuidadosamente selecionadas, mas aí o texto seria interminável kkkk.
(a tracklist de cada set está na descrição dos mesmos em seus respectivos links)
Destaques:
Death of Lovers – Ursula In B Major: Dizem que a grama do vizinho sempre é mais verde… Pois bem, os membros do já consagrado grupo sludge/shoegazer Nothing, de NY (EUA), parecem ter percebido que rendiam mais tocando post-punk e new wave, haha! O primeiro álbum completo deles, “The Acrobat” (2017), veio num belíssimo vinil azul transparente (sim, eu tenho ele, vendi um rim pra isso) e lotado de potenciais hits com notáveis influências de Cure, Echo and the Bunnymen (nesta musica citada acima, mais ainda) e até Tears For Fears. Ouça e vicie!
Buzz Kul – Into The Void: Direto de Sydney (Austrália), mais uma dupla vindo com tudo! O Buzz Kull já nasce com som forte e próprio, numa espécie de coldwave/electro que faria bonito ao lado de ícones underground 80`s como Click Click, Cassandra Complex, Blancmage, entre outros. Só tem som foda!
Destaques:
Henric de La Cour – A Texas Dream: Ok, o videoclipe acima é meio zoeira (haha), mas esse artista sueco é de um talento ímpar, mesclando coldwave, gothic rock e synthpop com maestria, além de seu visual/postura que lembram muito os de Tim Skold (KMFDM, Marylin Manson e carreira solo).
Luminance – Essentialize : O que tem na água dos belgas??? Só sai coisa foda dali (cervejas inclusas)! O Luminance é a banda paralela do guitarrista AD, dos góticos do Soror Dolorosa. Mas a vibe aqui é eletrônica dark, sombria e dançante, num link direto com a cena belga eletrônica/coldwave 80`s de bandas como Borghesia, Neon Judgement e A Split Second, mas com personalidade própria!
S Y Z Y G Y X – Wasted Youth: Essa dupla de Washington DC surgiu como um furacão! Lançaram vários EPs bombásticos até que, finalmente, saísse o fantástico “Fading Bodies” ano passado pelo selo This Cold Transmssion, com uma espécie de dark eletrônico alternativo de primeira linha e bastante pesado até! E, para a glória deste que vos escreve, eles já até fizeram repost de fotos minhas com seus discos!
Destaques:
DIIV – Doused: Se o Interpol parasse de frescura ao renegar suas ótimas influências iniciais, seu som soaria assim hoje… E NY está sempre mandando coisa boa pra gente como o DIIV, cê tá loco!
Rasha – Sólida: Aqui, as honras são todas do editor-chefe do Class of Sounds, que me aplicou essa maravilha! Essa dupla brazuca pratica um post-punk/coldwave tão denso que parece que o ambiente gela ao ouvir sua música! E o cabeça do projeto veio de banda de black metal! “A grama do vizinho parece sempre ser mais verde pt.2”…
Ploho & Molchat Doma – По краю острова: Look at Russian! A cena post-punk russa possui uma assinatura própria e até experimenta de certo hype atualmente, ao ponto de os vampirões góticos das antigas daqui do Brasil falarem em modinha. Besteira! O Molchat Doma já é grande, e leva consigo mais uma porrada de banda boa da terra do Putin, como é o caso do Ploho e várias outras mais inclusas nesses setlists mixados. Vibe melódica, new wave/coldwave linda aqui!
*PS: Sim, eu também não sei pronunciar os nomes e músicas dessas bandas hahaha…
Destaques:
A Projection – No Light: Quer post-punk fodão? Então toma! Esse quarteto sueco é bom pra c******!
Vox Low – I’ll Save You Anyway (Evelyne): Esse quarteto francês é muito acima da média! Não se engane somente por esta faixa, um post-punk de matriz direta do Gang of Four com pegada mais sombria, pois o caldeirão sonoro deles inclui até krautrock e muitos sintetizadores analógicos. Seu primeiro álbum completo, autointitulado (2018), pode facilmente já ser considerado um clássico de sua era (encontrei com um vendedor do Mercado livre que muito provavelmente não sabia o seu valor, pois foi barato…).
Whispering Sons – White Noise: Olha a Bélgica aí de novo! Desta vez, com um post-punk violento comandado por uma vocalista acima da média (Fenne Kuppens). Viciante!
Forever Grey – The Style is Death: Darkwave soturno vindo da ensolarada Califórnia? Como assim??? Bom, basta lembrar que The Cure e Depeche Mode tocavam em ESTÁDIOS por lá no auge deles. A semente foi muito bem plantada…
Destaques:
Bitcevsky Park – Горим: Rússia de novo! A cena de lá está tão foda que já surgem projetos paralelos de suas bandas principais. Este aqui é do Viktor Ujakov, multi-instrumentista do já citado Ploho. Post-punk/darkwave animal, contido num único disco que foi lançado em 2019 com apenas 100 cópias numeradas (bem que tentei conseguir uma pra mim…). Ah sim, não se engane com o visual black metal norueguês do sujeito… a vibe é outra!
Riki – Earth Song: Projeto encabeçado pela artista visual norte-americana Niff Nawor, que poderia encaixar muito bem sua new wave/synthpop ao lado de ícones como Berlin, Sandra e Propaganda. Seu disco auto-intitulado saiu agorinha em 2020, estou doido pra comprar, mas esse dólar atual tá f***…
Mayflower Madame – Swallow: Difícil sair som ruim da Noruega, né? O Mayflower Madame é som de gente grande, tanto é que andou abrindo shows de pesos-pesados como Killing Joke. “Prepare to the Nightmare” é, desde já, um dos melhores lançamentos de 2020, com seu post-punk de nuances psicodélicas e carregado de névoas góticas.
Destaques:
Maserati – Welcome to the Other Side: Esse quarteto norte-americano de rock psicodélico instrumental nem é tão novo assim (surgiu em 2000), mas chama à atenção por seu disco mais recente, “Enter the Mirror” (2020), que traz doses imensas de post-punk atual e clássico, além de sintetizadores analógicos ainda mais presentes que nos seus dois discos anteiores, que já indicavam que seguiriam por esse caminho. E, ao que tudo indica, o próximo trabalho deles virá com vocais, pois neste aqui eles já até aparecem, porém soterrados em efeitos e vocoders que ficaram fodas!
Principe Valiente – Strangers in the Night: Confesse, você jamais daria moral pra uma banda com um nome desses, hahahaha! Ledo engano! Mais uma banda sueca de excelente qualidade! Chama a atenção o excelente trabalho de guitarras, numa vibe neo-psicodélica que lembra muito o Cure fase Wish (1992).
Solo Ansamblis – Baloje: Numa cena tão cosmopilita, não causa surpresa que uma das bandas mais legais e originais da atualidade venha… da Lituânia! Não, eu não sei absolutamente nada sobre a cena daquele país rsrs. Mas o Solo Ansamblis jogou um holofote imenso por lá com sua mistura de post-punk experimental com sintetizadores e baterias eletrônicas analógicos, tudo cantado em sua língua natal. Essa música, cujo videoclipe acima é sensacional, faz parte de OLOS (2020), lançado pelo selo Artoffact Records (Canadá), e que já está encomendado aqui por quem vos escreve.
Fabio Martins é jornalista de formação, atualmente empreendedor pelo Digi.Lab – Laboratório Digital de Ideias, e sócio-fundador da Substance Party e do perfil @discolatras no Instagram.