Remanescentes da banda Bernays Propaganda voltaram com mais um álbum explosivo
Por Luiz Athayde
Uma das entrevistas que mais tenho orgulho de ter realizado foi com a hoje saudosa formação dance/post-punk (e outras coisas mais) Bernays Propaganda, do figuraça Vasko Atanasoski. Quando conheci o som da banda, minha mente quase explodiu.
No entanto, a cena da Macedônia, bem como a do Leste Europeu é tão vasta quanto autossuficiente. Ao menos é o que nomes como LeLee, KOIKOI, Gazorpazorp, 21 vek e tantos outros mostram. E também tem, claro, o trio My Tear.
A banda é formada por Denis Krstev (vocal, guitarra, sintetizadores), Nenad Trifunovski (baixo) e Christian Lafazanowski (bateria); três ex-Bernays que fazem um som como se fosse um conjunto de seis integrantes.
O álbum autointitulado de estreia saiu no ano passado, mas eles não quiseram descanso. Voltaram com um registro superior, ainda que composto entre setembro de 2022 e de 2024: Кога не се сакаме. (“O Que Não Deve Ser Dito”, em macedônio), via carimbo POP Depression, da Sérvia.
São apenas nove músicas, porém, com sensação de quinze, dada a riqueza dos arranjos e de sua dinâmica. Aliás, esta é graças ao DNA punk do grupo, que há muitos anos vive pela cena incestuosa do país.
Todavia, algumas delas soam diferentes de muita coisa que você, OCIDENTAL, fã de new wave, rock alternativo e afins já ouviu. É outro mundo (não confundir com “exótico”), mas igualmente fascinante, com melodias que te pegam logo nos primeiros acordes.
Talvez por isso, “Брзам нагоре” (“Aumente o volume”) figura a faixa 1, para tomar seus ouvidos de assalto. Melodia solar, com a cara do começo dos anos 1990. “На старите станици” (“Nos velhos teares”) tem o baixo como força motriz, tecido sabiamente por arranjos de teclados. Uma das mais cativantes do disco.
Já “Истото го сакаш” (algo como “Você quer a mesma coisa”) traz um eco indecifrável entre The Cure e o jangle pop oitentista feito na Austrália. Inclusive, a faixa conta com a participação de Dean Škartov, da lendária brigada local Badmingtons, formada na capital Escópia, no começo dos anos 80.
Agora, se há uma música realmente post-punk, esta é “Космодром” (“Cosmódromo”). E o que vier à cabeça está valendo: Joy Division, Echo & The Bunnymen, mas também uma pitada de Killing Joke com vocais dreampop.
Diria que se trata do ponto alto, entretanto, o disco só melhora. A faixa-título começa e termina grudenta. Até mesmo no refrão, a banda ajuda a gente a cantar junto: “Koga-nê se-sá kamê”. Sensacional.
Ainda mais reta, “Овој ден” (“Dia de frutas”) carrega influências de punk rock sob uma ótica janglin’, enquanto “Нема ништо повеќе” (“Não há mais nada”) endossa a cadência para focar nas melodias. Outra música feita para ficar na cabeça.
Uma coisa curiosa neste, digamos, lado B, é o advento de composições mais climáticas. Para viajar mesmo. Tipo “Барем уште еднаш” (“Só mais uma vez”), que figura entre as melhores nesta pegada. Não apenas o instrumental envolve, como a forma que a voz de Krstev conduz a canção.
Como tudo tem seu fim, “Само сакам” (“Eu apenas quero”) vai na direção contrária ao incendiar a cozinha. O resultado do contraponto da sonoridade melódica da guitarra com o peso do baixo e da bateria ficou no mínimo instigante.
No fim das contas, esse registro é uma das várias provas de que é possível passar o recado em tão pouco tempo. Koga ne se sakame é daqueles discos que tão sorrateiros, viciam. Mas não é só isso. Ele faz do pós-punk um estilo mais palatável. Ou, do pop, uma música mais interessante de ouvir graças ao DNA punk de Denis, Nenad e Christian.
Em suma, um discão para a ótima classe de 2024. Ouça na íntegra (Bandcamp neste link) a seguir.