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Morrissey – I Am Not a Dog on a Chain

Nada como um bom conjunto de músicas para superar qualquer polêmica

Por Luiz Athayde

Até hoje, desde a dissolução do The Smiths o que Steven Patrick Morrissey nunca conseguiu bater de frente com a tríade discográfica, compreendida nos álbuns Viva Hate (1988), Kill Uncle (1991) e o poderisíssimo Your Arsenal (1992).

Embora extremamente ativo como cantor e compositor, e trazendo bons momentos nos anos 1990 e começo dos 2000, Moz tem se sobressaído no âmbito das polêmicas, com as já calejadas notícias envolvendo seu posicionamento político em meio ao atual Estado das Coisas.

Sua rejeição tomou proporções tão grandes que teve até loja cancelando seu catálogo, além de fãs, ou pior, ex-fãs mundo afora condenando seu alinhamento com o partido de extrema-direita, For Britain.

Mas, como nem tudo deve ser espinhos, o inglês natural de Manchester e há muito tempo radicado nos Estados Unidos se recolheu das polêmicas, logo após o lançamento do álbum de covers, California Son, de 2019, e focou em composições frescas, novinhas em folha.

E o que parecia ser mais um álbum para figurar a enorme prateleira curricular, surpreende; I Am Not a Dog on a Chain vem com pompa de discão, e é. Vide os singles anteriormente lançados no Youtube.

Morrissey ao vivo em Wembley , março de 2020 (foto: Jim Dyson/Getty Images)

De longe, um dos mais fortes é “Bobby, Don’t You Think They Know”, contando com canja especialíssima da cantora Thelma Houston, uma das estrelas da Motown, além de ser um coringa do cantor na tentativa de dizer: “eu não sou racista”.

A faixa que abre é “Jim Jim Falls”. Para quem outrora cantou “Hang the DJ”, sua pegada eletrônica poderia causar certo espanto, se não fosse o dinamismo em seus arranjos, criando uma mescla atual facilmente envolvente, como uma música pop costuma ser.

“Love Is on Its Way Out” também flerta de maneira sutil com a música eletrônica, mas tras as melodias clássicas de Moz, de sua carreira solo. Na vez da faixa título, a meta é mostrar a quem quer que for que ele é o que é, e ainda assim, “não é um cachorro em uma coleira”, como muitos de seus odiadores pensam. O crescendo da canção só reforça este mote.

Quase que como um b-side, “What Kind of People in These Houses?” volta diretamente para os dias de ouro de sua parceria com Johnny Marr, em uma das faixas mais nostálgicas de sua carreira, e certamente um dos pontos altos desse registro; janglin’ como nos anos 60, melodioso como nos 80 e condizente com os dias atuais. Real Estate, dê licença por favor.

Se tudo parasse por aí já estava de bom tamanho, mas “Knockabout World”, outro single apresentado anteriormente, mergulha nos seus melhores dias como artista solo, emergindo brilhante e repaginado.

Seguindo o lado b do “Darling, I Hug a Pillow” segue inspirado ao lançar mão de trompete mexicano, dando um tempero diferente, mas sem destoar do restante do disco.

Agora, as configurações para a expressão “chutando o balde” foram atualizadas e o painel tem nome: “Once I Saw the River Clean”; Morrissey eletrônico. SYNTHPOP. E ele não se ateve a isso, suas nuances vão do acústico ao folk, e a essa altura, você se pergunta: em que ano estamos? 1988? 1989?

As influências mediterrâneas se fazem presentes em “The Truth About Ruth”. Apesar de ser uma balada, sua dramaticidade barroca se difere em muito das canções “pé no freio” que sempre acompanham seus discos. Em “The Secret of Music” o ex-Smiths parece buscar raízes na Manchester lisérgica do começo dos anos 90, em uma faixa longa, viajante e com potencial para inúmeros remixes.

O disco é encerrado com as belas melodias de “My Hurling Days Are Done”, com Moz dizendo que está velho demais para insultar os outros. Será?

O fato é que I Am Not a Dog on a Chain é a prova de que a música vence qualquer polêmica, especialmente vinda de Morrissey, que se mostra muito mais atraente quando está inspirado, produzindo arte, mesmo que em sua escrita ele não abra mão de espalhar alfinetes pelo ar. Embora cutucar com as palavras seja uma das maiores especiarias de seu vasto cardápio.

Disco essencial para a classe de 2020, que nos remete aos dias mais legais do britpop; além de esmagar pelo menos seus últimos cinco trabalhos editados.

Ouça I Am Not a Dog on a Chain no Spotify.

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