Fusão do gótico e o heavy metal gerou um dos manuais seguidos nos anos posteriores
Por Luiz Athayde
Hoje, um dos diagramas do Gothic Metal completa mais um ano de existência. Àquela altura Paradise Lost e Type O Negative já haviam feito suas contribuições. No entanto, o Moonspell ajudou a redefinir o estilo para o futuro com Irreligious.
Chancelado pela Century Media Records, o segundo álbum de estúdio do grupo lusitano contou com a dupla infalível dos anos 90 no que diz respeito a produção: Waldemar Sorychta (The Gathering, Samael, Sentenced) e Siggi Bemn (Therion, Covenant, Theatre of Tragedy). Tudo feito no Woodhouse Studios, em Hagen, Alemanha, entre 25 de março e 11 de maio de 1996.
Foi o registro subsequente, mas sobretudo a evolução natural de Wolfheart, estreia discográfica de 1995. Enquanto o primeiro trazia uma sonoridade mais palatável ao black metal com uso massivo de teclados, seu sucessor apresentava a maturidade.
Cortesia da combinação impecável de influências, incluindo as bandas citadas acima, mas também de Bathory e, especialmente, Fields of the Nephilim.
As conexões com a formação inglesa passam pelo peso, mas principalmente pela atmosfera sinistra, como se estivéssemos dentro de um filme de suspense. Porém, trazendo o DNA português. O melhor exemplo está no single “Opium” (lançado em 01/10/1996), inspirado no Opiário, de Fernando Pessoa – sob o heterônimo Álvaro de Campos.
Inclusive, o poema é citado no fim da canção:
Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.
Outro nome influente na obra dos lusitanos é o ocultista Aleister Crowley. A banda extraiu o áudio de seu poema, “The Poet”, originalmente gravado em 1920, para a faixa “Awake”.
Bury me in a nameless grave! I came from God the world to save. I brought them wisdom from above: Worship, and liberty, and love.
(“Enterrem-me em um túmulo sem nome! Eu vim de Deus para salvar o mundo. Eu lhes trouxe sabedoria do alto: Adoração, liberdade e amor.”)
As capas de discos costumam servir de cartão de visitas, e neste caso, não foi diferente. Assinada por Carsten Drescher (Alastis, After Forever, Samael, The Gathering), ela mostra o olho de Hórus sobre um fundo fortemente alaranjado. Além de aludir inconscientemente (?) o álbum Vision Thing, do The Sisters of Mercy, o resultado só endossa o ar de mistério em torno do álbum.
Como consequência, Irreligious reverberou positivamente ante o público e a crítica. O registro vendeu 500 mil cópias no ano de lançamento, sendo considerados a banda revelação de 1996 no canal alemão Viva.
“Foi a primeira vez que entramos nas paradas oficiais de vendas da Alemanha”, lembrou o vocalista Fernando Ribeiro anos atrás nas redes sociais.
Ele também conta uma situação deliciosamente engraçada:
“Naquela época, passávamos muito tempo em Dortmund, na Alemanha, e fizemos uma aposta com nosso empresário: para cada semana na parada, ele nos pagaria um jantar no restaurante português local Ti Zé. Resultado: jantamos lá por 8 semanas seguidas!”
Finlândia (30º), Portugal (50ª), Países Baixos (93º) também foram países onde o Moonspell obteve êxito.
Irreligious saiu nos formatos CD, vinil (raríssimo) e cassete (tão raro quanto) na Europa e nos Estados Unidos. O Brasil só ganhou sua primeira versão em 2005, via Century Media.
Em 2007, ele foi relançado em uma edição deluxe dupla, contendo o álbum na íntegra no CD 1, e o ao vivo, Moonspell Live Across Europe, Winter 1996/1997 no CD 2.
Ainda:
+ A voz feminina na música “Raven Claws” é da cantora alemã (falecida em 2017) Birgit Zacher. Seu currículo ainda inclui participações nos álbuns das bandas Tiamat, Sentenced e Angel Dust.
+ Irreligious foi o último álbum com o baixista original Ares (João Pedro Lamúrias Escoval). Já na turnê, o posto foi ocupado pelo músico brasileiro Sérgio Crestana.