João Carneiro é o nome do artista por trás do registro envolto pela atmosfera da cena britânica
Por Luiz Athayde
Para quem acha que o Happy Mondays não fez escola no Brasil, o Class Of Sounds recomenda uma passadinha por Porto Alegre e conferir o mais novo registro do Projeto Shaun. Capitaneado pelo artista João Carneiro, Atraso Marcado chega no formato EP de quatro faixas, com produção devidamente assinada por Jojô (Tagua Tagua), e distribuição carimbada pela Tratore.
Embora seja um lançamento da classe de 2022, o trabalho é o resultado de uma parceria que dura desde 2014, quando Jojô produziu o primeiro single do Bordines, ex-grupo de Carneiro. O processo foi, de certa forma, tranquilo e sem a menor pressão, tendo em vista que eles mesclavam o tempo livre no estúdio Legato, na capital gaúcha, com outros trabalhos, como comenta João:
“Montamos os equipamentos nos primeiros dias e deixamos lá. Uma sala só nossa, o que nos deu bastante liberdade. […] Eu tenho outro trabalho além da música e o Jojô fazia outros trampos também. Não tínhamos o dia inteiro, precisávamos para aproveitar os horários disponíveis e quase sempre sobrava das 20h às 4h. No dia seguinte, era complicado acordar pra trabalhar no meu outro trabalho. Passei mal por alguns dias, dormindo em média 3 horas por noite”.
Por esse depoimento, já percebe-se a diferença entre os músicos do extremo sul do país, com os ex-loucos da terra da rainha, que viravam a noite na icônica e saudosa Fac 51 Haçienda, do lendário Tony Wilson.
Ainda assim, a sonoridade do sucessor de Re-decodificado (Remix), de 2021, vai além do perímetro urbano de Manchester; há Beastie Boys, traços inconscientes de Quarashi, e até mesmo nuances brasileiras, como a Tropicália e Planet Hemp; mas sem ser um pastiche do que já vem circulando por aí.
A própria faixa-título mostra um pouco desses mundos, graças ao groove movido pelas letras em português, com uma melodia característica das antigas diais britpop. Em “Amnesia Haze”, se visualiza com mais clareza a codificação do ‘molejo’ de Ryder sob olhares mais tropicais.
“Lábios de Gudang” se move como uma faixa de qualquer álbum dos The Charlatans – inclusive dos mais recentes, tão bons e regulares quanto os antigos –, e pode não ser uma mera coincidência. E ainda sobre Manchester, “Tatuagem” é um verdadeiro elo perdido entre o rock psicodélico brasileiro dos anos 70 e Stone Roses, e acredite: está tudo em casa.
Em suma, Atraso Marcado é uma bela opção de música totalmente independente, no real sentido da palavra; sem a obrigação de militar dentro de algum movimento nacional – bem como diz a letra de “Tatuagem”: “amo minha pátria, mas amo mais a mim” – ou se prender a uma xerox do que já foi feito lá fora.
Ah, e para ter uma melhor experiência, a obra acompanha um lyric video para cada faixa no canal do projeto no Youtube. Ouça o EP na íntegra no Spotify.