Força eslovena do industrial cruzou lupas de um abrasivo passado distante com a ambiência dos trabalhos recentes
Por Luiz Athayde
O que é que dá para dizer, a essa altura, sobre a formação eslovena Laibach? Essa força da música industrial aparentemente fez tudo o que poderia ser feito no âmbito experimental, mas, ainda assim, não desiste – e com justiça.
Que bom. Porque essa insistência rendeu mais um belo álbum para ouvidos curiosos, Sketches of the Red Districts.
Tudo bem que no espaço de tempo entre a data de lançamento (1º de janeiro) e essa resenha, eles já soltaram alguns singles, EPs e assinaram a trilha sonora do divertido longa finlandês Iron Sky: The Coming Race (“Deu a Louca nos Nazis 2”).
No entanto, são as sete faixas do disco cheio em questão que realmente chamam a atenção.
A gênese da banda liderada por Ivan “Jani” Novak data do primeiro dia de junho de 1980. O marco zero é a cidade de Trbovlje, em uma Eslovênia ainda pertencente à Iugoslávia, na península dos Balcãs. E o caldeirão político não poderia ser mais propício: crise econômica, nacionalismo étnico.
Na época, Tomaž Hostnik comandava o microfone e as performances, mas seu período ali durou pouco. Em 21 de dezembro de 1982, três meses após se apresentar com a banda no Novi Festival, ele cometeu suicídio em um palheiro, por sinal um dos símbolos do país.
Os membros remanescentes seguiram em frente com Milan Fras, que dada sua longevidade e seu visual alinhado à iconografia do grupo, o tornaram quase que um mascote.
Esse conceito inclui nada menos que elementos do totalitarismo, nacionalismo e militarismo, e já rendeu inúmeras controvérsias e boicotes.
E o mais interessante é que você nunca sabe quando e se eles estão sendo sérios ou apenas debochados. Vale lembrar que nessa “brincadeira” eles ainda hoje ostentam o status de primeira banda estrangeira a tocar na Coreia do Norte.
Portanto, mais que polêmica, Laibach é sobre arte em todos os campos, ou melhor, via Gesamtkunstwerk… multimídia; experimental, mas sobretudo visual. Em muitos casos (discos), vindos da música.
Em Sketches of the Red Districts o coletivo se sobressai ao colocar na mesa basicamente as lupas da crueza de seus primeiros lançamentos e a pegada dark ambient de Also Sprach Zarathustra, de 2017. Não que este tenha servido de referência, mas trata-se da mesma raiz de ambiência.
As composições somam pouco mais de 40 minutos, mas com a perspicácia e arrogância de quem está criando uma obra dupla. Também, pudera: “01. 06. 1924” abre sem te dar chance de especular sobre uma intro ou uma nova jornada ambient. A princípio, siga pela segunda via.
Ironicamente (vindo deles, que novidade), na sequência surge “Glück auf!” Como revela a tradução, ‘boa sorte’, caso tenha ouvidos viciados na fórmula tradicional de música pop. O lance aqui é pesado e tribal de um jeito bem pós-apocalíptico. Grande momento nesse começo.
Ruídos orgânicos de metal e efeitos que se conectam diretamente com a arte da capa na faixa “Moralna zaslomba”. Ao mesmo tempo, a arte também se traduz como uma bandeira dos sons industriais sendo levantada.
“Smrt in pogin” soa bem minimalista, convergindo com abordagens de outrora do Nine Inch Nails. Porém, ela figura o pano de fundo para o spoken word da vocalista convidada, Kaja Blazinšek.
Sua letra discorre sobre a banalidade da morte feita em nome da justiça… seja ela qual for:
“Pregando criminosos / vivos em árvores / torturando cruelmente / arrancando seus olhos / cortando suas orelhas e línguas / esmagando seus membros […] alguns especialistas / Na execução de crianças e mulheres culpadas / Cujas cabeças são cortadas / Com canivetes / Morte pela morte, morte pela morte”
Há muito tempo que considero dizer ‘para poucos’ algo tão prepotente quanto arrogante. Contudo, na faixa seguinte, “Nekaj važnih in načelnih misli o bodoči usmeritvi”, eu diria que está por sua conta, interpretação e risco.
Embora seja a mais longa do disco, é onde ouvimos o Laibach na sua essência: experimental e desafiador. Tal qual ilustres e influentes como Einstürzende Neubauten, Throbbing Gristle, The Legendary Pink Dots, Cabaret Voltaire. Ponto alto, fácil.
“Lepo – krasno” é o mais próximo de beleza que os eslovenos chegam, ao menos nesse registro. Suas melodias cinematográficas (com um certo flerte trip hop) envolvem, mas, no fim das contas, é a escuridão que acaba tomando corpo até reprisar a intro sob o título “27. 09. 1980”.
Sei que disputar com os álbuns WAT (2003) e Volk (2006) – porque nesse caso não vale mencionar o seminal ‘Opus Dei’, lá de 1987 – pode parecer desleal, mas Sketches of the Red Districts chega perto.
Ponto para o Laibach pela gama de sons; alegria a nossa, por ouvir música sombria feita pela velha guarda em pleno ano de 2023. E adiante.
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