Alemães voltam com seu álbum mais palatável (aspas aí) desde ‘Haus der Lüge’, de 1989
Por Luiz Athayde
Isso está mais para Você Precisa Ouvir do que qualquer outra coisa, mas tudo bem. É lá que costumo indicar mais sons estranhos, diferentes ou que geralmente não saem da cabeça (e dos ouvidos) e porventura não caibam no editorial.
No entanto, a banda alemã Einstürzende Neubauten é uma das pratas da casa justamente por fugir do convencional. Desde sua gênese, na classe de 1980.
Desta vez, entretanto, a brigada formada pelo vocalista, performer e multi-instrumentista Blixa Bargeld, mais N.U. Unruh (percussão, vocal), Alexander Hacke (baixo, vocal), Jochen Arbeit (guitarra, vocal) e Rudolph Moser (percussão, vocal) resolveu organizar seu caos particular em Rampen (apm: alien pop music).
Trata-se de suas conhecidas improvisações nos palcos, do qual chamam de “Rampen”, para o estúdio. Herança das formações krautrock, conhecidas entre o fim dos anos 60 e começo da década de 1970 por experimentar até dizerem chega.
O título já denota um belo de um spoiler. A parte alienígena, claro, são as texturas sempre inéditas de quem já soltou ½ Mensch (1985) na praça; uma das bíblias dos sons industriais.
Por outro lado, a faceta pop consegue sentir ecos distantes de Haus der Lüge (1989), tornando-se facilmente seu álbum mais palatável desde então.
Nem por isso este registro deixa de ser instigante, desafiador. O sucessor de Alles in Allem (2020) comporta 15 faixas (com sensação de 30), em uma espécie de arquitetura projetada para incluir novos ouvintes.
A construção começa com “Wie lange noch?”, e soa como se Bargeld estivesse dizendo “lá menor” entre trabalhos percussivos e ambientações de teclados.
Sem pensar, o baixo de “Ist Ist” traz à tona lembranças de um outrora trio que estreou com Kollaps (1981). Especialmente em “Negativ Nein”, porém, mais melodiosa. “Pestalozzi”, por sua vez, além de fantástica (ponto alto?), te lembra que Nine Inch Nails não existiria do jeito que conhecemos se não fosse o grupo berlinense.
De alguma maneira, “Es könnte sein” faz conexões com o Nordeste brasileiro ao prover um baião para lá de sombrio. Assim, vale lembrar que Blixa Bargeld já coverizou Caetano Veloso (“Empty Boat”) em Nerissimo, seu álbum-fechamento com o músico italiano Teho Teardo – devidamente indicado aqui –, então…
Em “Before I go”, a especialidade alemã da repetição se faz presente nas palavras e no ritmo dramático ‘antes de irem’ para “Isso Isso”. Faixa minimalista, por cortesia dos sons agudos de metais e, mais uma vez, o baixo como força motriz da composição.
Falando em alien, “Besser Isses” faz conexão direta com o velho Faust (lendária banda de krautrock) para resultar em mais uma mix fantástica de texturas sonoras. Barulho? Só se for assim.
As explorações espaciais continuam na faixa “Everything will be fine”, onde os autores ironicamente enfatizam que “tudo ficará bem”, apesar do imenso vazio ao redor.
“The Pit of Language” vem como um Om, mas anos luz de soar gratiluz. Pelo contrário, o clima é mais torto, selvagem e até agonizante em alguns momentos. Parece ser a ponte perfeita para o viés tribal de “Planet Umbra”, a viagem seguinte. Inclusive, essa seria minha aposta num filme pós-apocalíptico rodado em alguma floresta.
Logo na sequência, “Tar & Feathers” dá continuação ao mantra de “The Pit…”, enquanto “Aus den Zeiten” curiosamente lembra coisas feitas pelo Depeche Mode nos anos 90. Por fim das dúvidas, zero surpresas: Martin Gore bebeu muito dessa água, especialmente quando morou na Alemanha, décadas atrás.
Contudo, “Ick wees nich (Noch nich)” mostra que a capacidade de surpreender segue intacta. Ponto alto, Neubauten no seu melhor – não esqueci do ponto de interrogação no começo da resenha.
Os contornos folk de “Trilobiten” apontam para o desfecho, posteriormente assinado na enigmática “Gesundbrunnen”. Sua pegada é tão sombria que parece uma afirmação de que na sua paleta industrial, o dark ambient sempre ocupará espaço. Dá-lhe efeitos e instrumentos metálicos de todas as formas.
Em suma, Rampen (apm: alien pop music) é tão coeso que serve como porta de entrada para quem não conhece o som destes veteranos.
Fora que aquele papo de melhor com a idade, como o vinho, cabe perfeitamente no trabalho do Einstürzende Neubauten. Discaço.
Ouça na íntegra neste link (Spotify), ou a seguir.