Um atmosférico new wave de dotes eletrônicos para você se achar na noite
Por Luiz Athayde
No ano de 2005, uma alma caridosa chamada Veronica Vasicka fundou, na cidade de Nova Iorque, o selo Minimal Wave Records.
Em um trabalho fantástico de resgate de raridades do universo eletrônico, Vasicka reeditou uma série de artistas outrora esquecidos pelo caminho, assim como uma quantidade razoável de seletas compiladas em CD e vinil. E a classe de 2008 viu um de seus melhores lançamentos; através de um duo francês que parecia ter acabado de chegar do espaço: Stereo.
Trata-se de Somewhere in the Night. Registro com poucas tiragens, mesmo em uma época onde muitos sequer tinham noção que em pouco tempo, o formato físico se tornaria um objeto nefasto de especulação.
Por pura sorte ou obra do destino, fui apresentado ao selo através de um bom amigo, que de imediato me “intimou” a fazer uma compra para dividir o frete. Não deu outra: pedimos nossa cópia em CD do álbum dos franceses.
Na verdade, a capa que você está vendo é a do single homônimo lançado em 1982 pelo lendário carimbo Carrere. Ele só virou um disco cheio, ou melhor, compilação, após a inclusão do álbum de estreia Assembly Line, de 1985; a faixa “No More (Remix)”; e “Then I Kissed Her”, exclusiva para o CD.
A assinatura é da dupla formada por Thierry Noritop e Bernie Adam. Sob nuances que vão do mestre Giorgio Moroder ao clássico Jean-Michel Jarre, Somewhere in the Night poderia muito bem constar na árvore genealógica que também inclui Brian Bennett e o obscuro Automat.
Claro que há algumas faixas mais “terrenas” como a dançante “Black Jack” e “T.V. News”. No entanto, “Nowhere in the Island” é como se fosse a trilha de uma expedição a algum satélite planetário.
Sem mencionar que a faixa-título também cairia muito bem caso tivesse o “Space” no lugar de “Night”; tamanho clima que ela emana ao apertar o play do disquinho.
Em uma tentativa de se adaptar ao novo planeta, o duo criou um híbrido de pop e breakdance, resultando em “Lover On The Run”; uma espécie de desenho urbano da época, com todos os seus atrativos e periculosidades. Aliás, impossível não lembrar das devastadas paisagens do Bronx dos começo dos anos 1980.
“The Devil’s Answer” talvez seja a mais empolgante. Sua linha de baixo é tão marcante que fazem os teclados grudarem nas entranhas do sistema nervoso. Sabe-se lá o motivo de não terem feito um single dela.
Já “Moonshine” não poderia ser mais óbvia: atmosférica, dramática, lunar. Curte a série Stranger Things? Pois é, o synthwave, tão em voga atualmente, teve origem em uma chuva de meteoritos sônicos – muitos com paredeiro desconhecido – ocorrido na Terra naquele período.
E o Stereo foi facilmente um desses. Daquelas belíssimas surpresas discográficas oriundas de escavações ao acaso, especialmente por te fazer caçar por correlacionados afins, independente da época registrada.
Contudo, aqui o lance tem caráter histórico. Assim como hoje, nunca se produziu tanta música eletrônica (digamos assim) como entre o fim dos anos 1970 e começo dos 80 de um jeito tão particular.
Do experimental ao pop, a diferença é que, com o advento da internet, (quase) tudo se encontra disponível “ao mesmo tempo agora”. E é por isso mesmo que você precisa ouvir Somewhere in the Night.
Somewhere in the Info:
+ Após um longo hiato, o Stereo voltou em 2015 com o álbum ‘Back to Somewhere’, lançado sob chancela da Minimal Wave.
+ Em 2018 Thierry Noritop voltou sozinho sob a alcunha Stereo in Solo, soltando ‘Somewhere out There’, também pelo selo de Veronica Vasicka.
+ Outras participações de Thierry incluem o projeto new age Ayuthya, com Dominique Verdan e Daniel Finot; e como o duo Thierry Noritop & Daniel Finot, ambos nos anos 2000.
+ O mais próximo que o Stereo chegou ao mainstream foi pelo single ‘No more’, lançado em 7 e 12 polegadas (vinil) pela major CBS em 1983.
+ Raridade é pouco: no mercado de colecionadores, a cópia mais barata de Somewhere in the Night pode ser encontrada por aproximadamente R$ 130,00 somente em LP. Já em CD…
Ouça Somewhere in the Night na íntegra a seguir.
*Texto originalmente publicado em 28 de agosto de 2019.