Quando o assunto é música africana, o senso comum associa imediatamente a percussão, ao poder que os tambores daquele continente exerce de modo contínuo nas demais esferas musicais possíveis.
Por isso mesmo muitas outras sonoridades acabam ficando restritas a quem pesquisa sobre música ou a comunidades “x” e “y”, como se fosse algo de outro mundo. Bom, no caso da música gambiana, quase, só que, em paralelo, se relaciona e muito com o que é feito no Ocidente. Ou, na verdade, seria bem o contrário.
Essa balangação de beiço virtual é só para tentar apresentar a musicista Sona Jobarteh, bem como seu o álbum Fasiya.
Inglesa somente de registro, o DNA cultural e familiar Jobarteh vem de Gâmbia, sanduíche geográfico do Senegal (apenas dê um Google no mapa do continente) com saída para o mar, na África Ocidental, e de histórico nada pacífico, já que primeiro foram ocupados pelos portugueses, depois pelos ingleses e até há pouco se encontrava em um regime ditatorial.
E o efeito em sua música não poderia ser diferente: uma ode aos seus ancestrais através da cultura mandinga – uma das etnias oriundas do antigo Império do Mali, onde hoje compreendido pelos territórios do Senegal, Gâmbia, Serra Leoa, Guiné-Bissau etc – e cantado, obviamente no idioma mandinka.
Mas além de sua bela voz outra estrela deste álbum é o kora, instrumento tradicional de 21 cordas (algo como harpa e alaúde) originário daquela região, que sua família conhece bem; tanto seu avô Amadu Bansang Jobarteh, quanto seu irmão Tunde Jegede e seu primo Toumani Diabaté são aclamados tocadores de kora. Só daí você já percebeu que se trata de uma tradição (como quase tudo) masculina, certo?
Sim: a maestria de Sona com o instrumento foi tão notável – de acordo com o modus operandi patriarcal, claro – que se tornou a primeira mulher dentro desta tradição a se tornar uma virtuose profissional em kora.
Fasiya traz toda essa bagagem, esta rica herança cultural mas de uma maneira singular, por mesclar ao estilo moderno de composição, logo tornando acessível aos ouvidos menos, digamos, preparados.
Faixas como “Mamaké” e “Musow”, dois dos grandes destaques do registro, diga-se, conversa tranquilamente com qualquer fã de Dead Can Dance, enquanto que “Bannaya” se faz perfeita para apresentações ao vivo, dado o seu grude melódico no refrão.
Aliás, esse é o fator dominante no álbum; melodias que te levam imediatamente para aqueles litorais sem o menor esforço, já que o próprio idioma é musical por si só.
Por isso, se quer algo distante das fronteiras do world music – também conhecido como “rock alternativo” da música étnica –, mas com o tempero especial de um lugar que brota arte da terra, você precisa ouvir Fasiya.
Ouça o disco completo no Spotify: