Quando Bryan Ferry influencia no outro lado de dois “cristãos da morte”
Por Luiz Athayde
Pode parecer estranho para alguns, mas ainda hoje, tantos anos depois de seu lançamento, muitos góticos e simpatizantes afins não conhecem as outras facetas da imagem máxima do Christian Death. Sim, o vocalista Rozz Williams.
E a vocalista, tecladista e compositora Gitane Demone? Tão pouco. Também, pudera: sua passagem pela banda (1983-1989) foi como muitos, ou seja, meteórica, mas não menos significativa; afinal, o que dizer de Catastrophe Ballet (1984) e Ashes (1985)?
O ano era 1995 e fazia pouco tempo (2 anos) que Williams havia se reunido com os também fundadores Rick Agnew e George Belanger para celebrar os primeiros anos dos seminais do deathrock. Porém, sua cabeça estava realmente voltada para outras nuances, ainda que continuamente obscuras.
Ou também pode chamar de dark cabaret; variante “chique” dos copos sujos franceses e alemães da era Weimar, burlesco e vaundeville. E mais: elementos do punk, do folk… embora não seja uma regra.
E Dream Home Heartache é isso, sem a parte do punk. O mote aqui é outro, Roxy Music. Não à toa, o título do álbum gravado nos Países Baixos entre março e abril de 1995, bem como o cover que abre o registro, teve inspiração em For Your Pleasure, álbum de Bryan Ferry e cia da classe de 1973.
Pianos, sintetizadores, acordeões e até momentos à capela marcam a então nova empreitada de Williams e Demone numa tentativa – bem sucedida, diga-se – de fugir da tradicional estética cavernosa do deathrock e migrar para algo mais elegante. Decadente, mas elegante.
Além do já citado cover, dentre as 8 faixas, há outro irreconhecível para o clássico “Manic Depression”, de Jimi Hendrix. Aliás, esse reconfigura o significado de versão: rearranjos fantasmagóricos em meio as melodias dramáticas de Demone e os declames sem esperança de Williams.
Para desavisados, faixas como “The Pope’s Egg Hat” e “Flowers” se relacionariam facilmente com as sementes más de Nick Cave, se naquele período, o artista Aussie não fosse tão country/blues. Curiosamente você pode encontrar elementos bastante similares em seu último e melancólico álbum Ghosteen, lançado em 2019.
Já Gitane Demone não poupa sua maestria em “The Vulnerable Eyes”, e na cinemática “Moon Without a Tear”, fazendo deste um dos álbuns mais singulares da classe de 1995. E vale lembrar que me refiro ao subterrâneo gótico. Portanto, caso seus ouvidos apreciem música obscura, experimental e, ainda assim, com requinte, e sua alma necessite de algo mais profundo, você precisa ouvir Dream Home Heartache.
Dream Home Info:
+ Williams e Demone chegaram a excursionar pela América do Norte e Europa para promover o álbum. Foram bem-sucedidos a ponto de provocarem um tumulto na Cidade do México, quando fãs não puderam entrar no local do show, que já se encontrava com os ingressos esgotados.
+ Foi decidido que para os sets, o duo trocaria a atmosfera normal de um show por um clima mais intimista, quase como um cabaré. O palco era frequentemente adornado com velas e flores, e os fãs eram recebidos por um calmo Rozz Williams. A resposta aos shows foi tremenda, resultando em muita atenção não apenas para Williams, mas também Gitane Demone.
+ Dream Home Heartache foi editado pelos carimbos Triple X, nos Estados Unidos, e Paragoric, na Alemanha. Ambos a preços nada doces no mercado de colecionadores.
+ A produção ficou a cargo de Ken Thomas, conhecido por trabalhar com nomes como Queen, David Bowie, Modern English, Clock DVA e lista infinita.
Ouça Dream Home Heartache na íntegra a seguir: