Um dos registros mais legais da turma do fundão da sala comandada por My Bloody Valentine
Por Luiz Athayde
Kevin Shields fez escola. Se fez. Ao comando do corpo docente My Bloody Valentine, criou filiais tão distantes quanto improváveis partindo de sua cidade natal, Dublin, na Irlanda. E um desses lugares foi a cidade norte-americana de Boston, no Massachusetts, conhecida por suas raivosas falanges hardcore de orientação “X”. Tipo, carne? Nem pensar.
Não bastasse, sua “doutrinação shoegazer” teve início logo na classe de 1992, quando do lado europeu, já éramos agraciados com refrescantes lançamentos à 22ºC do quilate de Going Black Again (Ride) e Spooky (Lush).
Logo na primeira aula, cinco jovens já haviam entendido muito bem tal matéria, e resolveram seguir seu próprio caminho. Estava formado o Drop Nineteens.
Composto por Greg Ackell (vocais, guitarra) e Chris Roof (bateria), na sequência recrutaram o baixista Steve Zimmerman, o guitarrista Motohiro Yasue e a também a vocalista e guitarrista Paula Kelley, que posteriormente despontaria em um bem sucedido voo solo.
A estreia discrográfica do grupo foi logo com Delaware. São dez composições inspiradas no que há de melhor no sempre climático shoegaze/dreampop daquele período, sem medo de reverenciar os emergentes e já estabelecidos nomes do gênero. Esqueça tentativas ingênuas, ainda que honestas, de soar diferente.
Conexões imediatas com Bleach (a banda) e os conterrâneos Pixies são percebidas em “Winona” e “Happen”, por exemplo. Enquanto “Delaware” e “Kick the Tragedy” – esta última, a grande, em todos os sentidos, faixa do disco – faria uma bela companhia a qualquer canção dos dias iniciais de Mark Gardener (Ride) em um dia cinzento na Praia da Baleia, em Ponta da Fruta.
Estando sempre presente, o professor Shields aparece em “Ease It Halen”, como se dissesse à Paula e Greg: “isso aí, pessoal, muito bom”. Mas como estamos nos anos 90, o noise também é permitido, para não dizer necessário em “Reberrymember”, e melhor, na “(Plus Fish Dream)”, que encerra o álbum de maneira inusitada: com cara de introdução.
As passagens acústicas ganham vida com “Baby Wonder’s Gone” e “My Aquarium”, chegando a impressionar em alguns momentos, de tão parecidos que são os timbres de voz de Ackell e Gardener, ambos provavelmente com a mesma idade. É também onde percebe-se o por que de Kelley ter se destacado após a dissolução da banda.
Mesmo enquanto grupo coeso, o Drop Nineteens obteve um lugar ao sol (entre nuvens), sendo reconhecido especialmente no Reino Unido, meca da então nova cena distorcidamente gélida. Cortesia da distribuição do disquinho pelo carimbo britânico Hut Records, licenciado pela Caroline Records.
O crescimento da banda estava a tal ponto que figuraram inúmeros festivais naquele período, como Reading e o Lollapaloza, inclusive como atração principal em alguns outros casos. Além de ter rendido sessões para a BBC com o lendário John Peel e Mark Goodier.
Delaware marca o pontapé inicial de uma banda que tinha tudo para solidificar sua carreira, interrompida devido às famosas diferenças musicais, causando uma drástica mudança na formação – sobrou para Greg e Steve recrutar novos membros e assim lançar o segundo e último disco, ‘National Coma’, no ano seguinte.
Por outro lado, dada a sua singularidade, foi o que fez do mesmo um dos discos mais sensacionais daquele ano, já que estamos diante de uma banda que vivenciou essas influências em sua era mais efervescente, inclusive midiaticamente falando.
Se lá fora é um clássico, aqui no Brasil seu status é de “perdido”. Pois é, o shoegaze infelizmente não vingou na ex-terra de Cabral. E é por isso mesmo, em clima de escavação, que você precisa ouvir Delaware até dizer chega. Ou, ao menos até encontrar outro disco para se viciar.
Ainda:
+ Paula Kelley é natural de Los Angeles – distinção importante – e suas credenciais após dropar os anos 90 incluem Hot Rod, Boy Wonder, Banquet Hall e The Paula Kelley Orchestra; essa mulher não brinca.
+ Em 2009 ‘Delaware’ ganhou reedição remasterizada em CD pelo carimbo britânico Cherry Red contendo 4 faixas bônus: “Nausea”, “Movie”, “Mandy” e outra versão de “My Aquarium”, intitulada “My Aquarium (2nd Time Around)”, todas extraídas do EP ‘Your Aquarium’.
+ O álbum de estreia do Drop Nineteens figurou o número 45 nos “50 Melhores Álbuns de Shoegaze de Todos os Tempos” do site Pitchfork em 2016.
+ Após pularem fora da banda, Paula Kelley, Christ Roof e Motohiro Yasue foram substituídos por Megan Gilbert (vocais, guitarra), Peter Koeplin (bateria) e Justin Crosby (guitarra).
+ Apesar de contarem com apenas dois álbuns e alguns singles e um EP, o Drop Nineteens possui uma série de demos não lançadas. Uma delas é ‘Mayfield’, encontrada na internet com uma devida escavação.
Ouça Delaware:
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