‘Quase’ terceiro álbum desta falange da segunda geração do gothic rock inglês
Por Luiz Athayde
Algo necessário para contextualizar: São Paulo, ano 2002 após14 horas de viagem de ônibus. Durante o trajeto, toddynho, frutas, biscoitos e CDs na mochila. Discman fritando. Fome para aumentar a CDteca. Pente fino na Galeria que outrora foi do Rock.
Objetivo? Conferir a dobradinha alemã: Kreator e Destruction no Direct TV Music Hall, com direito a vaias para Andreas Kisser e Paulo Jr – daquela banda super famosa que deu uma mega volta por cima –, que assistiam o evento dali de cima do camarote.
No caminho para o Direct TV, cruzei com um cara que também estava indo para o show, e durante a caminhada ele veio me alertando sobre “headbangers” que estariam batendo e tomando camisas de “posers”, e que eu precisava tomar cuidado, especialmente por ser de fora; coisas (radicais) de São Paulo.
Fim de show, cansaço, retorno de metrô com metaleiros de todas as partes do Brasil, com destino ao Terminal Rodoviário do Tietê, para muitas horas depois, pegar o buso de volta para casa, no periférico estado do Espírito Santo.
A essa altura, uma fome colossal tomava conta deste ser, que gastou tudo em… CDs. Resultado da minha tradicional cata oriunda das minhas idas à terra da garoa. Comprei discos de metal? Longe disso: gótico até dizer chega, ou o que meu modesto bolso permitisse.
Dentre eles, uma maravilhosa descoberta feita na saudosa loja Batcave, em algum andar daquela enorme galeria: Incarnations (A Retrospective), do Die Laughing.
Foi algo bem sortido. Os critérios, dos mais ridículos possíveis, envolviam desde capa a nomes de músicas. “isso parece ser bem gothic rock”, eu dizia. Até pedir para o educado vendedor tocar alguns minutos no cdplayer.
Imagine quando um disco bate como mágica. Foi isso. Tudo começou como uma pedrada vinda das sombras ao ouvir a faixa de abertura, “Firedance”, e seguir com “Glamour and Suicide” – sequência matadora de som reto e sem frescura –, mas foi em “Ghosts” que eu disse: “vou levar”.
E o motivo foi simples: The Mission. Tire Wayne Hussey e o substitua por uma mulher. Melhor, “A” mulher: Rachel Speight; mostrando que não há nada de ruim em cantar bem, especialmente nessa variante tão castigada da new wave, no que diz respeito a vozes.
Embora seja um grupo da era noventista do rock gótico britânico, suas raízes são documentadas em meados dos anos 80, quando o guitarrista e mente mestre John Berry, contava com uma formação bem diferente, inclusive nos vocais.
A era Speight começa em 1992, também contando com Ian Holman nas seis cordas e demais programações. A breve discografia foi gerada entre 1995 e 1997, com os álbuns Glamour and Suicide (1995) e Heaven in Decline (1996), mais os EPs The Temptress (1997) e Queen of Swords (1997); isso sem contar os lançamentos independentes entre 1992 e 1995, essencialmente composto por compilações de registros prévios.
Mas é em 1998 que o grupo esboça sair das sombras. Naquele ano assinam com a icônica Cleopatra Records e lançam esta compilação, que até então este quem vos escreve pensava se tratar de um álbum de inéditas. E é, em (pequenas) partes: “Dark Half”, “Stranger to Reason”, “Aphelion” e “The Amaranth Chain” figuram faixas do terceiro disco que nunca saiu do forno.
Nos anos 1990 tivemos (e ainda temos) Children on Stun, The Wake, Rosetta Stone, Nosferatu e outros nomes que levantam, à sua maneira, a bandeira do rock gótico, primeiramente hasteada – em alguns casos, a contragosto – por bandas, como Joy Division, Bauhaus, The Danse Society, UK Decay (rudimentares, mas estão aí), The Mission e, sobretudo, The Sisters of Mercy, mas o Die Laughing era a banda que poderia ter ido adiante.
Este quase disco cheio ultrapassa a fronteira de uma simples coletânea pela uniformidade na seleta, mas também por conter elementos tão rápidos quanto a banda de Andrew Eldritch (incluindo a “aptidão” da versão deles do Doktor Avalanche), tão melodiosos quanto a métrica de Wayne Hussey e ainda trazer a cereja do bolo; uma voz que dança entre Skeletal Family, Ghost Dance e Xmal Deutschland.
Você Precisa Ouvir Incarnations (A Retrospective) por ser a representatividade perfeita do gótico orientado por guitarras em uma década recheada de atos notáveis, mas com uma carga genérica a perder de vista; além de ser uma das peças mais raras da classe de 98.
Incarnations: A Info:
+ Enquanto esteve ativa nos anos 90, a banda parecia mesmo que poderia içar voos maiores: alcançaram vendas consideráveis na Europa e até no Japão, ganhando uma edição de ‘Heaven in Decline’ pelo carimbo Belle Antique, em 1996.
+ Uma das apresentações mais significativas do Die Laughing ocorreu no festival Whitby Gothic Weekend, ao tocarem para centenas de pessoas como headliners. No verão (do hemisfério norte) de 1999 se apresentam pela última vez, no The Borderline, em Londres.
+ No período em que esteve inativo, John Berry montou o In Isolation, enquanto que Rachel Speight seguiu carreira de estilista, mas também integrando o Pretentious, Moi?; já Ian Holman se limitou a compor nos bastidores.
+ A fim de comemorar o 20º aniversário da segunda e definitiva encarnação do Die Laughing, John e Rachel recrutaram Mike Uwins (baixo) e Bob Malkowski (guitarras) para se apresentar novamente no WGW, em 29 de abril de 2012.
+ O último material inédito que se tem notícia é o “natural born rare” single “Tangled”, lançado no mesmo dia do citado festival.
Ouça Incarnations (A Retrospective) no Spotify: