Ni upanja, ni strahu!
Por Luiz Athayde
Que 1987 foi um ano mágico para a música e muitos aficionados naquela maravilhosa década sabem. Mas o que poucos perceberam, devido a escassez de informação em muitos países, é que no EBM (abreviação para Electronic Body Music) houve uma convergência fora de série, gerando importantes dissidentes no continente europeu, inclusive no bloco leste.
Dos dias experimentais dos ingleses do Cabaret Voltaire, passando pelo harsh dos alemães do D.A.F. até as prolíferas produções dos canadenses Skinny Puppy, tal rótulo (EBM) soa tão limitado quanto injusto, até pela gama de “rebeldes” que essa rapaziada ajudou a formar. Entre eles, um duo esloveno, oriundo da antiga República Socialista Federativa da Iugoslávia: Borghesia.
Se hoje o tema mais comum é o atual quadro (caótico) político mundial, mesmo no pós-guerra as coisas não andavam um mar e rosas. Aliás, especialmente naquele período.
A Iugoslávia esteve no mapa entre 1943 e 2006, e nesse tempo, conflitos para lá de televisionados entre etnias e religiões distintas que separavam os estados forçadamente juntados da Sérvia, Croácia, Montenegro, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Kovoso e Eslovênia. Curiosamente, a queda da mesma teve como estopim uma partida de futebol.
Anos antes, no entanto, ainda que crias desse enorme caldeirão político, Dario Seraval e Aldo Ivančić pertenciam ao grupo alternativo de teatro FV-112/15. Formação essa com óbvias influências do Dadaísmo, que naturalmente se transporia para o grupo nascido na capital eslovena Liubliana na gênese dos anos 80.
O que era um eletrônico de dotes minimalistas com as tapes Borghesia (1983) e Clones (1984), e na estreia “full” com Ljubav Je Hladnija Od Smrti em 1985, o duo chegou a belíssima classe de 1987 com o registro do qual você precisa ouvir. Sim, No Hope No Fear.
Se trata de um EP, mas não se engane. É um manifesto – bom, essencialmente todos os álbuns do Borghesia são – em seis faixas, incluindo um gemido cheio de suspense, onde a música eletrônica de nuances dark e orientação groove formam a síntese do estrago.
Bem, leia dessa forma: junte o melhor dos atos acima citados mais uma original pegada sônica influenciada por um “trabalhador insatisfeito”. Aliás, algo bem comum entre bandas da velha guarda e um tanto perdida nos dias de hoje, diga-se.
Pegue com exemplo “Ni upanja, ni strahu” (sem esperança, sem medo), ao abrir na melhor escola orientada pelos coordenadores cEvin Key, Nivek Ogre e Bill Leeb – que logo em seguida formaria o Front Line Assembly.
Nada diferente, “Na smrtno kazen” te remete a um maldito expediente em uma velha fábrica de metal cercada por mato queimado pelo frio. Ou, em mote experimental, mas sem perder o balanço, “133” reflete os tons urbanos de uma vida inteira ceifada pelo cotidiano alienado dos afazeres e das obrigações.
Em seguida vem a lama. A densa “Blato” (lamaçal) é o retrato de uma vida que não tem mais para onde se afundar. Sua batida sincopada deixa ainda mais evidente o clima de agonia na música.
Ok, agora é a vez de “Lovci”, a faixa do gemido. Mas tem outros barulhos. Som de suspense. Soldados em gritos de guerra. Barulhos. E, com cara de álbum, o EP fecha com “Mi smo povsod”.
Outra parte importante na estética e nas letras dos eslovenos é o fetichismo, visual trazido dos tempos de teatro e sabe-se lá onde mais. Geralmente, quando se perde a esperança, o medo também vai junto; seja de viver ou de morrer, e no caso do Borghesia, de lutar por aquilo que vier à cabeça.
E não importa se é em um protesto com milhares de insatisfeitos ou vestido de tanguinha em quatro paredes tomando chicotadas na bunda. Play essencial.
No Hope, No Info:
+ Em 1994 o Borghesia contribuiu com uma versão para a música “Ohm Sweet Ohm”, no “Trans Slovenia Express”, tributo esloveno ao Kraftwerk organizado pelo Laibach. O disco saiu pela Mute Records e foi lançado no Brasil pela (hoje extinta) Paradoxx Music.
+ Além de discos, o grupo possui uma série de áudios e videoclipes fetichistas, como a compilação “The Triumph of Desire”.
+ Após um hiato iniciado em 1995 depois de soltarem ‘Pro Choice’, o duo se reuniu em 2009 e voltou como uma banda inclusive com uma atividade regular de lançamentos discográficos.
Ouça No Hope No Fear a seguir: