A nova onda francesa em 14 faixas do que acabou acontecendo muitos anos depois por outras ondulações
Por Luiz Athayde
Synthwave? Synth Wave. Onda Synth, onda sintetizada, sintética, estética, francesa. País com um modo à frente de fazer certas coisas, certos sons. Filmes nem se fala. Não à toa, o tal avant garde veio daí. Aliás, de lá. Enquanto em alguns países o punk ainda era algo forte, em outros o pós já dominava de diversas formas; new wave, new romantic, positive punk, gótico, synthpop. Essa “onda”.
Na França, ao seu modo blasé – hoje tão em voga na esfera indie – uma série de grupos ultra obscuros surgiam dos mais variados pontos geográficos, sob o mote No Future; forma de “arte sem causa”, oriundo justamente daquele Zeitgeist musical.
E num apanhado até injusto, dada enorme quantidade de atos, a Born Bad Records compilou 14 desses grupos – sendo alguns deles com paradeiro desconhecido até os dias de hoje – sob a alcunha BIPPP.
Logo de cara o disquinho abre com um grupo que em português significa “Três num Banheiro”. Ok, nomes à parte, a verdade é que entre a linha tênue entre a música acústica e a eletrônica o grupo de Saint Quentim A Trois Dans Les WC realmente contagia com sua música “Contagion”.
Ainda mais empolgante vem o trio Act, de Dole. O andamento reto e as repetidas vezes que cantam “Ping Pong”, fazem o ouvinte remeter a conexões diretas com o DEVO. Aliás, é daqueles sons que lhe instigam a jogar nas pistas de dança indie.
O synthpop propriamente dito vem com Les Visiteurs du Sour, em “Je T’Ecris d’um Pays”, deixando dúvidas porque somente o Depeche Mode alcançou voos maiores. A capital Paris ataca pela primeira vez com o Vox Dei, talvez o som mais visceral da compilação. O new wave reto, sujo, quase spoken word de “Terroriste” revela que nem só de rock vivem as garagens sônicas.
Também parisienses, o Comix traz o punk rock através dos sintetizadores; impossível no mínimo não bater os pés enquanto “Touche Pas Mon Sexe” toca. Formado pelo mesmo duo mencionado anteriormente, TGV segue a mesma pegada de “Touche…”, mas ainda mais eletrônica.
Da histórica cidade normanda Rouen, o CKC nos envolve com seu eletrônico carrocinha (tipo, favela mesmo, mas igualmente maravilhoso) e mezzo suspense “20H25”. Daria uma boa trilha para curtas experimentais…
Ao visualizar pela promeira vez a foto do encarte – sim, mais uma vez a indicação sônica vem direto da cdteca! –, notei uma figura diferente e pensei: “essa mulher é a cara da performance”. Era Marie Möör, com os seios de fora, puxando uma faca de seu braço e ainda piscando para a câmera. Pois é, quem se atreve? Em uma batida que lembra a famosa “Da Da Da”, dos alemães do Trio, a artista de Nice mostra sua versão de um dia legal com “Pretty Day”, pondo inclusive em cheque quem surgiu primeiro: ela ou Anne Clark.
Para quem tem apenas o Depeche Mode referência de synthpop, certamente irá tomar um baita susto com o comecinho de “Game and Performance”, do fantástico (e um dos mais conhecidos, diga-se) duo de Lyon Deux. Qualquer semelhança com “Dreaming of Me” dos rapazes de Essex pode ser mera coincidência, e mais: além do BPM (batidas por minuto), o arranjo mais sério dos franceses deixa um grude maior na mente. Gol da França no placar eletrônico.
Voltamos a Paris com os mascarados do Ruth. Sons de máquinas fotográficas em ação, sintetizadores, o modesto trompete e, principalmente a voz debochada da vocalista, faz de “Polaroïd/Roman/Photo” uma das canções mais cinematográficas e legais da compilação.
Todo torto, para trás e deveras minimalista, Vitor Hublot chega de Soignes com a fantástica “Aller Simple”. Dica: suas nuances são melhor percebidas com excelentes fones de ouvido. Uma pena se tratar de uma raridade – como a esmagadora maioria desta seleta.
Ainda na esfera da esquisitice, o Visible, de Troyes faz conexões não intencionais e do outro lado da calçada de alguma fábrica de Sheffield com o Cabaret Voltaire, em “Le Jour Se Leve”.
Baixo na cara e guitarra fazendo a ponte para o duo parisiense Casino Music. “Viol Af Dis” soa tão orgânica que pede uma jam de pelo menos o triplo de sua duração. O gran (e põe gran nisso) finalé veio praticamente na repescagem – explicando: a edição original em CD de 2006 contém 13 faixas; somente na reedição yankee de 2008 a 14ª faixa foi incluída – com a pesada “Rainbow Man”, do Busy P
Você precisa ouvir BIPP French Synth Wave 1979-85 apenas pelo fato de poder viajar no tempo e perceber que tudo isso – fora o que não foi compilado aqui – poderia ter acontecido… Mas não aconteceu. E os motivos nem cabem aqui divagar.
O que importa é que se trata de mais uma oportunidade de descobrir novas velharias e nomes que nunca iriam aparecer para o mundo se não fossem iniciativas de aficionados pelo maravilhoso universo da música eletrônica – manual ou não.
Ouça BIPPP – French Synth Wave 1979 – 85