Surf rock com cheiro de garagem limpa
Por Luiz Athayde
Aquele papo (“papo”… ciência, amigo) da Terceira Lei de Newton também se aplica aos movimentos sociais. Incluindo a reação ao domínio masculino em todas as esferas que você possa imaginar: o movimento sufragista. Ele ocorreu em vários países do mundo no fim do século XIX e começo do século XX, a fim de organizar a luta das mulheres pelo direito ao voto (sufrágio).
Contudo, ninguém consegue militar 24h — ou 16, se subtrairmos as 8 de sono necessárias — por dia sem enlouquecer. É aí que entra as atividades recreativas; esporte, arte… The Surfrajettes. Sim, surf + sufragismo. Através da música.
Sua gênese é recente, datada do final de 2015 na cidade de Toronto, no Canadá. Pareceu estranho? Pois acredite, existem altos picos pelo país. Assim como quatro garotas, equipadas com delineadores grossos, botas gogo, reverb e psicodelia garageira para explorar as melhores praias.
Embora tenha somente 8 trabalhos lançados, este figura o segundo álbum de estúdio da banda. Ah, o nome: Easy as Pie, fácil como as 12 faixas; entre músicas próprias e algumas versões curiosas. Todas instrumentais, executadas pelas guitarristas, Nicole Damoff e Shermy Freeman (ambas, guitarra), Sarah Butler (baixo) e Annie Lillis (bateria).
Nos poucos mais de 30 minutos, as músicas te induzem a uma viagem cristalina ao mundo do surf music — cortesia da produção e da mixagem, assinadas por Colin Cripps, do grupo correligionário C&C Surf Factory, e do trabalho de masterização, a cargo de Peter Letros. E também das trilhas sonoras, já que elas assumem serem fãs de Quentin Tarantino, que por sua vez é fã de garage rock e afins.
Este também é um tipo de música que, além de aprazível, te abre inúmeras possibilidades interpretativas. O que dizer por exemplo, do cover para “Spice Up Your Life” das Spice Girls? Fantástica. Embora outras possam passar despercebidas para leigos no estilo, como as igualmente cativantes “Hot Doggin” (The Astronauts), “Clam Chowder” (The Sadies), “Instant Coffe” (The Jokers) e “Sugar Town”, de Lee Hazelwood, cantada por Nancy Sinatra.
O lado autoral segue inspirado, tendo “Easy as Pie” como carro-chefe do disco. Assertivo. “Toasted Western” é praticamente um recado para Tarantino, porém, não seria nada mal se elas tivessem mirado em Ana Lily Amirpour, na época do bizarro Amores Canibais. Poderia ter dado bom.
No combo formado por “Double Reverb”, “Word Salad” e “Priss and Vinegar” é possível visualizar o lendário surfista sul-africano Shaun Tomson se acabando no Havaí na década de 70, ainda que no meio da torta você encontre “Chiffon Daydream”, um perfeito sonífero pós-praia.
Um dos últimos pedaços é “Lickety Split”, este quase um híbrido das canções homônimas de Tim Easton e The Distorted Penguins.
Seja qual for seu paladar, saiba que estamos bem servidos de surf rock. Entre os salgados, é simplesmente impossível não mencionar Gabriel Thomaz especialmente configurado como trio instrumental.
Já o lado doce, curiosamente tem vindo com mais açúcar nas terras geladas. Da Finlândia, vale a conferida no Halibears, enquanto o Canadá serviu a torta mais saborosa do estilo, ao menos este ano. Tão boa que acaba rápido.
Ouça na íntegra pelo Bandcamp, ou a seguir.