Encabeçado por Eduardo Normann, da banda Space Rave, registro engloba interpretações muito além do cover
Por Luiz Athayde
Em uma espécie de ataque surpresa, o Selo Maxilar de Gabriel Thomaz (Autoramas) acaba de editar Um Tributo Brasileiro ao Kraftwerk. São 13 versões assinadas por artistas das mais variadas camadas do subterrâneo e, principalmente, surpreendentes.
O projeto, que também conta com produção de Thomaz, é encabeçado pelo músico gaúcho e homem de várias bandas, Eduardo Normann; entre elas, Space Rave, que interpreta “Airwaves” de forma matadora, e o Autobahn, do qual abre o registro com a faixa epônima. “Eu tive o insight de fazer o tributo por causa dessa música, que é a única gravada há muito tempo, em 2006”, contou Normann com exclusividade ao Class Of Sounds. “Todo o resto do tributo foi gravado de outubro de 2021 pra cá.”
Dizer que a formação alemã comandada por Ralf Hütter e o saudoso Florian Schneider é importante para a música é chover no molhado, até por terem ultrapassado a fronteira do território que eles ajudaram a criar, ou seja, da música eletrônica, e influenciado inúmeras esferas sônicas. Normann continua:
“A partir disso que me deu vontade, Kraftwerk sempre foi uma banda pra mim referência, assim como o Velvet Underground, Sonic Youth e outros tantos que são importantes na minha formação musical.”
Em relação a juntar toda essa trupe, ele comentou: “Eu fui conversando com Gabriel, a gente foi trocando ideias, falando o que que achava que ficaria bom […] na verdade isso daí é uma coisa bem de parceria que a gente teve, de um falar para o outro: “Bah, essa música com esse cara tá perfeito”, e rolou muito legal.”
É sabido por todos que altos e baixos em compilações colaborativas é algo corriqueiro, mas este é um grato caso que foge à regra na mesma intensidade que o medo dos artistas selecionados em soarem apenas como um mero cover. Logo na sequência de uma das bandas de Normann, Gabriel Thomaz e Guilherme Diamantino seguem as honras com uma versão A Cappla de “Geiger Counter”. Experimental, para dizer o mínimo.
Já Jonnata Doll e Os Garotos Solventes, com a participação de Tatá Aeroplano, proporcionam em “Radio Activity” a mesma sensação viajante da canção original, mas sem passar a máquina de xerox, enquanto o Anvil FX vem com uma das mais eletrônicas do disco. “Nós somos Manequins”, diz em português brasileiro bem claro em “(Showroom Dummies)”.
A seguir, “Spacelab”, sob as rédeas de Gilmar Bolla 8, percussionista e fundador da Nação Zumbi; provavelmente a banda do mainstream nacional que mais fez questão de reverenciar a obra dos alemães. Não foi à toa que ele caprichou nessa roupagem ‘um pé no mangue, outro no espaço’. Bife Simples + Fu_k The Zeitgeist optou pelo básico. Rock de garagem com certo ar Johnny Cash nas passarelas de “The Model”.
Walter & Kim (este último, filho de Edu Normann) também lançam mão do português com a ótima “Luz Neon (Neon Lights)”. Para cantar junto. Quase caminhando para o desfecho do disco, surgem aquelas faixas que não podem faltar. “The Man Machine” é uma delas, aqui carregada de suspense futurista, feita por Alf Sá – eletrônica até o último fio.
‘Pocket Calculator’ virou a viciante “Pocket Vacilator”. Cortesia das Cigarras e a forte conexão com Devo. E o figuraça Edu K – inclusive, segundo Normann, uma das escolhas óbvias do tributo – não poderia ter escolhido outra música que não fosse “Boing Boom Tschak”. Se a original já denotava os primórdios do funk carioca, nesta releitura a voz do DeFalla uniu o melhor (e mais antigo) dos dois mundos, impedindo até o mais radical dos rockeiros de ficar parado.
Outra escolha certeira foi pelo Lovnis com seu mote indie-lo-fi-sensual na clássica “The Telephone Call”. Encerrando com chave de ouro, o supergrupo Bruxas Exorcistas com a pulsante “Sex Object”.
Dada tamanha singularidade, o tributo bem que merece uma edição no formato físico, mas tudo depende de dinheiro. Eduardo contou mais:
“Tomara que o [pessoal do] Kraftwerk nos liberem se nos cobrarem aquela fortuna que eles querem por música, para poder lançar em todas as plataformas realmente, porque está preso ao Youtube, não podemos tocar [o projeto] para frente por causa dos direitos autorais, que é uma coisa ótima para o artista, mas que infelizmente a gente não tem como cobrir o custo.”
Mas, como a esperança é a última que morre, ele conclui: “Vamos ver, nosso sonho é que esse trabalho se torne um álbum duplo em vinil.”
Enquanto isso não acontece, ouça Um Tributo Brasileiro ao Kraftwerk na íntegra abaixo.
Que foda.