Ondas minimalistas do Rio de Janeiro sob as algas sujas do darkwave e o surf music experimental
Por Luiz Athayde
É no Rio de Janeiro que fica o maior cartão postal do Brasil, o Pão de Açúcar. Mas há línguas que dizem que a própria cidade é um dos maiores buracos negros do mundo, dado o tamanho da visibilidade da bad vibe, inclusive política, constantemente divulgada nos noticiários – como se o resto do país não tivesse suas particularidades negativas.
Por isso mesmo faz-se necessário aqui tentar corrigir esse erro midiático de grandes proporções populares: o Rio é sim um (e não “o”) buraco negro, mas sônico, assim como boa parte do país com a impressionante proliferação de bandas e artistas solo que vêm se guiando pelo caminho do pós-punk e sua abordagem mais obscura; gótica.
E um dos representantes mais fora da curva é da tal cidade que, cá entre nós, é mais maravilhosa quando há ausência de luz, e é aí que entra nomes como, neste caso, o Seashore Darkcave, em especial a estreia discográfica, cheia, intitulada Raw Wave Chest.
Comandando por Mario Mamede, ativo no subterrâneo nacional como baterista da seminal Gangue Morcego e da promissora Herzegovina, o também conhecido como “Mad Mario” resolveu dropar ondas um pouco diferentes do status quo desses lados ao lançar mão de um álbum inteiramente instrumental, e o principal: livre.
E nesse caso a liberdade foi se enveredar para sonoridades mais rudimentares, calcadas no post-punk/darkwave dos anos 70 e 80 e ainda trazendo constantes marolas de surf music de caráter experimental.
O resultado só poderia ser: ou uma presunçosa presepada sem rumo, ou super certo. Felizmente a segunda opção reinou e o que vemos aqui são 14 faixas que fluem como se estivéssemos saboreando ventos marítimos diretamente da areia da praia; com unhas pintadas, sobretudo vagabundo, maquiagem tosca e, preferencialmente, acompanhado do vinho mais podre trazido de um boteco da Zona Norte.
“The Glitch” é um dos destaques pelo simples fato de já abrir com um ritmo tribal que te hipnotiza logo de cara, já te impedindo de partir para o senso comum de “ouvir um trecho só para sacar”.
Já “Lat Long Random” é outra que prende e é de longe uma das composições mais obscuras do Mário Louco. Curiosamente, essa já se distancia da maresia; um flerte urbano entre Pink Industry e Alien Sex Fiend nas partes mais escuras da Linha Amarela.
Ainda que predominantemente eletrônico, ou seja, darkwave, o registro também possui momentos mais pesados, como é o caso de “Legend of Yacuruna”, música inspirada no Yacuruna (ou demônio da água), mito da Selva Amazônica. Aqui o brilho fica por conta das guitarras distorcidas e melódicas, se gladiando entre o drama e o suspense.
Mas se aproximando do desfecho, temos “Medusozoa Cult”, que mais que remeter ao The Cure, denota um elo perdido entre Seventeen Seconds (1980) e Faith (1981), dois dos maiores petardos lançados pela banda de Robert Smith.
Mas não se apegue às referências. Justamente por se tratar de um disco sem voz, os “vocalistas” são interpretados pelos sons de baixo, guitarra, bateria e teclados, mas, sobretudo, por alguém que ao menos aqui, fez a diferença, inclusive no que diz respeito às produções, que parecem querer seguir um mesmo padrão, soando todas iguais.
Raw Wave Chest é um caldeirão noturno – à beira-mar, importante dizer – de sujeira, melodia, introspecção e momentos dançantes, e também o melhor spin-off (ou projeto paralelo) editado em Terra Brasilis até o momento; ou, até a próxima onda de morcegos surfistas, já que estamos em março, mês de ressaca.
Ouça o álbum na íntegra via Plainsong.io ou abaixo, pelo Bandcamp.
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