Você está visualizando atualmente Ride – Interplay

Ride – Interplay

Britânicos chegam ao melhor momento desde sua volta às atividades

Por Luiz Athayde

Recentemente, vi uma chamada de matéria com os dizeres: “É impossível competir com a nostalgia”. O trecho veio de uma entrevista concedida por Ihsahn, vocalista e guitarrista do Emperor, banda clássica do black metal norueguês, a Sam Acevedo, do canal El Planeta del Rock.

Eu não poderia concordar mais com ele, especialmente quando ouço seu breve, mas influente catálogo. Ok, e com o rock alternativo? Também. Afinal, é música, parte importante da ativação de nossos sentimentos, inclusive através de lembranças.

Mas olhe só os caras do Ride: poderiam facilmente viver de seus dois primeiros álbuns, Nowhere (1990) e Going Blank Again (1992); e sua seleta de EPs. Todos clássicos da esfera shoegaze, seminais como qualquer registro dos correligionários Slowdive, Lush e Chapterhouse.

Ride (Foto: Divulgação/Press)

No entanto, não foi o caso. Dali, eles partiram para uma nova fase que rendeu os discos Carnival of Light (1994) e o ótimo Tarantula (1996), até se separarem na sequência.

Longos anos se passaram, e com o anúncio do retorno, Mark Gardener (vocais, guitarra), Andy Bell (guitarra, vocais), Steve Queralt (baixo) e Laurence Colbert (bateria) nos brindaram com o excelente Weather Diaries em 2017.

Não bastasse isso, ainda rolou um show antológico no Brasil (leia nossa cobertura aqui) em 2019 seguido por outro álbum matador no mesmo ano, This Is Not a Safe Place.

Claro que nem tudo são flores. O que parecia ser uma sequência natural na carreira (álbum + turnê), foi interrompida pela pandemia de Covid-19 e uma briga judicial com os ex-empresários da banda.

A saída foi manter atividades paralelas na entressafra: Andy Bell editou três álbuns solo e Steve Queralt registrou um EP com Michael Smith, do qual ainda contou com Laurence Colbert.

Contudo, felizmente tudo isso é passado e se converteu não em um novo registro, mas simplesmente o melhor dessa nova era: Interplay.

Sua produção traz novamente Riche Kennedy ao lado do grupo, e a mixagem assinada por Claudius Mittendorfer. Ele é conhecido sobretudo por trabalhar com nomes mais metálicos/farofeiros como Iron Maiden, Dream Theater, Journey etc.

Não, não tem nada de metal em Interplay. Muito pelo contrário. Aqui, o fator surpresa se dá pela ampliação, ou, melhor dizendo, por lançarem mão do real significado do termo “alternativo”.

Eles tinham o que expressar musicalmente (até pelo hiato forçado), daí, saíram doze faixas contendo de tudo um pouco nesse perímetro. A começar pela viciante “Peace Sign”, uma ótima maneira de queimar cartucho: simples, direta e bem melódica.

Agora, imagine um mundo sem o Joy Division. Certamente, seria muito pior do que já é. Percepção imediata ao ouvir “Last Frontier”, sem desmerecer seu toque de New Order.

“Light in a Quiet Room” revive a neopsicodelia explorada na classe de 1994, porém soando mais envolvente. Cortesia da experiência ao contextualizar uma faixa tão introspectiva após a sequência inicial.

Por outro lado, saudosos pela marca registrada (shoegaze) podem se deleitar na segunda metade da canção, graças a uma camada barulhenta digna dos primeiros singles.


É nesse fio que “Monaco” aparece para retomar a pegada direta, com uma dose extra de synthpop. Aliás, desde que voltaram, o quarteto de Oxford vem mostrando cada vez mais gosto por sonoridades eletrônicas, e “I Came to See the Wreck” é um de seus melhores exemplos.

“Stay Free” aposta no dream pop pela supervia folk. Qualquer conexão com Neil Young e Bob Dylan pode não ser uma coincidência. “Last Night I Came” até ameaça uma introdução experimental, mas basta entrar a melodia vocal de Gardener para perceber que se trata do Ride clássico no que diz respeito a ambiências.

Em “Sunrise Chaser”, o mote é brincar com períodos musicais. Ela se alinha tanto ao que vem sendo feito hoje, no chamado “indie rock”, quanto às passagens mais sofisticadas do pop, como faz o Tears for Fears.

Após tantas músicas fortes inclusive com grande potencial ao vivo, “Midnight Rider” acaba soando quase dispensável. O ponto forte é o baixo fluído de Queralt.

Só que mal dá tempo de franzir a testa: é “Portland Rocks” na sequência, voltando direto para o começo da década de 90 com uma sonoridade mais suja, mas igualmente acessível a ouvidos comerciais. Facilmente um dos pontos altos, que não por acaso, figura uma das músicas de trabalho.

Já que o Ride adora experimentar, um álbum na linha de “Essaouira” seria mais que bem-vindo. O lance por esses lados é eletrônico, inconscientemente relacionado ao que Kevin Moore (ex-Dream Theater, banda de metal progressivo) fez em seu projeto de trip hop/ambient Chroma Key.

Hora de encerrar o álbum número 7 do Ride com a melancólica, etérea e espacial “Yesterday Is Just a Song”. Mais do que isso caberia disco duplo. Olha, seria uma boa ideia. Ainda que insuficiente para bater de frente com o passado – como se isso fosse necessário com um discaço desse.

Ouça Interplay na íntegra pelo Bandcamp, ou a seguir:

Deixe um comentário