Duo de Juiz de Fora debuta com disco cheio de sombras, poesia e certa dose de mistério
Por Luiz Athayde
Passado 1 ano desde seu surgimento, eis que a Permaneço Deitada acaba de editar o primeiro álbum. Composto por Bira L. Silva (vocais) e Yugh Synth (sintetizadores), o projeto com cara e sonoridade de banda é novo, mas seus integrantes, dada a velocidade com que as coisas no meio musical acontecem, ainda ostentam outras atividades.
O vocalista é um incansável guerrilheiro do subterrâneo gótico, atuando como CEO do carimbo independente Plutão em Pedaços, produtor na Noite em Claro – Goth JF, e ainda como frente das bandas Poetisa Dissecada, Opium Eater e Cova de Laços; esta última tendo o talentoso Yugh no comando dos teclados.
Por último, mas longe de ser menos importante, ele ainda se mostra um ás de espadas na hora de escrever; vide o zine digital Tumbas de Aquarela, focado em entrevistas com músicos e artistas do cenário nacional.
O que parece ser uma rasgação de seda é, na verdade, para traçar um panorama da carreira de ambos, até resultar neste singular trabalho discográfico intitulado Dedicado aos Caracóis.
Naturalmente assinado e lançado pelo duo, o registro apresenta 8 faixas meticulosamente pensadas sob o prisma da numerologia, ou, algo próximo disso, já que Bira é um entusiasta pelo número 4; tanto no lado A quanto no lado B e claro, data de lançamento 04/04.
Mais que isso, ali estão as influências sônicas da dupla mineira de Juiz de Fora, que vão dos lamentos e a poesia de Nick Cave a dramaticidade do Sopor Aeternus, além das referências simbólicas remetidas ao lendário cineasta chileno-francês Alejandro Jodorowsky – praticamente uma constante na formação artística desta formação.
A resultante poderia ser um mix genérico do que foi citado, mas não foi o caso. Não somente pelas músicas serem todas em português, mas pela leitura particular dos ídolos sônicos (ou não), o duo trouxe algo diferente, em especial do que anda rolando no perímetro nacional; composições de teor simples, mas de densidade triplicada, carregada pela emoção do qual Bira entoa suas poesias
E tudo isso ambientado por camadas fúnebres e certas nuances psicodélicas. O que também não significa que não haja momentos mais diretos, como é o caso de “Incensos de Canela”, previamente lançada como single e aperitivo antes do disco; rock gótico nos moldes de um Rozz Williams mais produzido e igualmente melódico.
Mas “Palavras Foscas” é a que abre e traz de forma curiosa e inconsciente atmosferas que remetem aos primeiros dias da banda gothic/doom metal conterrânea Silent Cry, mas obviamente sem as guitarras pesadas.
Em uma intro fora dos padrões do gothic rock, ou seja, com contratempo, “Tar” apresenta o vocalista em seu modo mais spoken word para contar melhor sua história. E por falar em Jodorowsky, “tudo é arte quando é feito com amor…”, é a intro da faixa “A Essência do Vidro”, do qual o mestre da sétima arte sintetiza sua visão de mundo através da intensidade que a arte em geral é criada.
Curiosamente, um dos pontos fortes do álbum não passa nem perto de uma programação normal de rádio. “Oratória do Fogo (O Enterro do Caracol)” é, como o título já denota, fúnebre, mas ao mesmo tempo um esboço neofolk/dark ambient de projeções espaciais. E é por isso mesmo que será uma faixa que dificilmente passará incólume a quem ouvir – tanto positivamente quanto negativamente.
É bem verdade que Dedicado aos Caracóis não serve a todos os paladares, afinal, estamos diante de uma peça oriunda de um nicho que nasceu no underground e, se algum dia vir a falecer, será nas suas mesmas entranhas.
Todavia, para tudo existem dois lados, e quando se trata de música, não há porque haver drama: é um álbum feito com um cuidado tão notável – a começar pela arte fantástica da capa, assinada por Cadavres Exquis – que deveria ser lei no Brasil. Além de inspirado, mas sobretudo recomendado para quem detesta ficar na zona de conforto dos “The Sisters” e “The Missions” da vida. Em suma, é disco para além da 1ª arte.
Ouça o álbum completo a seguir: