Quase em música de câmara, artista australiano mergulha em uma gravidade coheniana
Por Luiz Athayde
De um jeito meteórico, o músico (entre outras qualificações) australiano Nick Cave anunciou o sucessor do experimental/eletrônico Skeleton Tree, lançado em 2016.
Naturalmente cercado de expectativa, Cave e suas sementes más apareceram com uma capa psicodélica (assinada por Tom du Bois), que mais parece um panfleto das Testemunhas de Jeová, causando, no mínimo, muita curiosidade do que estaria por vir.
E para surpresa geral, ou quase, Ghosteen nem de longe vai para a era de ouro dos lisérgicos. No entanto, adentra em uma câmara de luz fria e repleta de simbolismos.
Infelizmente, vale lembrar que o Cave perdeu seu filho de 15 anos, Arthur Cave, em 2015. Ele caiu de um penhasco em Brighton, East Sussex, Inglaterra, depois de consumir LSD.
Em matéria passada, Nick Cave havia revelado que a divisão no formato duplo do álbum seria entre “crianças” e “pais”. E em vários momentos percebe-se que o álbum, sem deixar de lado sua extraordinária beleza, trata de perda.
“And everyone is hiding and no one makes a sound / And I’m by your side and I’m holding your hand / Bright horses of wonder springing from your burning hand” (“E todo mundo está escondido e ninguém faz barulho / E eu estou ao seu lado e segurando sua mão / Cavalos brilhantes de maravilha brotando de sua mão ardente”), diz a belíssima “Bright Horses”.
“Waiting for You” soa ainda mais direta: “Your body is an anchor never asked to be free / Just want to stay in the business of making you happy / Well, I’m just waiting for you”
Ou, “Seu corpo é uma âncora que nunca pediu para ser livre/ Só quero ficar no negócio de fazer você feliz/ Bem, só estou esperando por você”.
A parte dois do disco é envolta a um sutil clima de suspense, mas de desfecho em passagens praticamente spoken word. É como se o ouvinte necessitasse da metafísica para compreender as palavras ali ditas.
E é por isso que Ghosteen traz de volta a “obrigação” ritualística de ouvir um disco por inteiro para melhor absorvição. Porém, mais interessante: a cada audição, uma nova descoberta – nuances que não se limitam apenas a esfera Chamber Pop/Ambient.
Conexões longínquas (ou não) com antigas falanges do Krautrock e da New Age são perceptíveis, mesmo com a dominante nuvem melancólica do disco. Apesar de todos os pesares pessoais, Nick Cave voltou com um dos melhores álbuns de sua carreira, assim como um dos mais honestos registros da classe de 2019. Preciso mesmo dar nota? 10 de 10.
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