Aproveite, porque o registro irá simplesmente sumir do universo digital
Por Luiz Athayde
Cronômetro ligado. Dentro de seis meses, o Vazio Obsceno de MADRE irá se esvair do mundo digital para figurar apenas o âmbito físico – CD e vinil – via carimbo Seloki Records.
Este é o projeto de Luiza Pereira, ex-tecladista/vocalista da banda alternativa Inky. Entretanto, não se trata de um voo solo qualquer, mas de um lançamento antidigital, baseado na sua inquietação ante os serviços de streaming. Ao mesmo tempo, ela visa se concentrar nos fãs de música (de carne e osso, distinção importante) ao invés de se prender aos algoritmos.
“Estão claros os efeitos negativos – e positivos também – que a cultura digital trouxe para a música independente, mas sinto que nos tornamos reféns e que estamos acovardados diante do que parece ser a única alternativa – que não é justa, nem sustentável”, diz a artista paulistana em nota.
Ela acrescenta: “Existem outros caminhos para resgatar o consumo de música e a relação de ouvinte/artista de forma mais humana, para além do digital. Música sempre foi sobre comunidade e experiência. Tenho mais interesse em ter uma micro comunidade de pessoas reais que me acompanham, do que focar em números virtuais que muitas vezes nem convertem em nada concreto.”
Luiza conta que o processo criativo de sua nova alcunha começou na pandemia.
“Me dei uma guitarra de presente de aniversário e comecei a compor”. Simples assim. “Eu nunca tinha tocado guitarra antes, então pude criar de forma muito livre e intuitiva. Meu processo de composição foi uma catarse sonora de tudo que eu estava sentindo e do contexto à minha volta na época”.
Seu parceiro no estúdio Sitio Romã, no interior paulista, foi Luccas Villela, com quem assina a produção. Além de Fabiano Benetton (Odradek), que participa com linhas de guitarra na faixa “Sirenes”; e Rodrigo Coelho, que tocou baixo em todas as músicas.
As referências são muitas. Em alguns casos, se encontram na borda do plágio, como “De um Jeito ou de Outro”, ao trazer uma assustadora semelhança com “Falling”, do Tears For Fears. Todavia, não deixa ser uma grande faixa de abertura, especialmente por destacar o trabalho contagiante da cozinha.
Ela é seguida por “Lá Longe no Espaço”, que já no título denota sua sonoridade. Tão incisiva quanto direta, ela se conecta com o que o pessoal de Palm Desert, na Califórnia, fez nas vezes que estava sob efeitos de ácido. Dá até para visualizar alguns nomes no quadradinho, como Brant Bjork e Queens of the Stone Age, mas também certas formações setentistas focadas em guitarra, baixo e bateria.
“Transe” é o que seria do space rock se criado sob a ótica de PJ Harvey, enquanto a viagem proporcionada por (ou pelo) “Caos” traz o trip hop para o campo visceral. E falando nisso, “Tento” tem um quê de garagem e experimentalismo, passando uma leve impressão de “vamos ver o que sai dessa sessão”.
Ainda neste leque, surge a aspirante a psicodélica “Azul Imenso”. E desta vez, o encontro é entre Jeff Buckley e o planeta Black Sabbath. Mais uma trip garantida. Já “Fantasma” evoca novamente o espírito dissonante de Polly Jean e a irreverência de Kim Deal (The Breeders). Embora o resultado seja quase gótico – bom, Christian Death é uma das bandas mais zoeiras dessa esfera, então…
O fim se aproxima ‘pisando em falso’. É “Sirenes”, ameaçando um folk sombrio na introdução, até desembocar nas abordagens mais palatáveis de nomes como Sigur Rós, Radiohead e demais correligionários.
Última faixa, sim, mas sobretudo o começo; a chamada para uma movimentação para lá de louvável. Eis o manifesto de MADRE na íntegra:
Agora, caso seu lance seja ouvir música apenas no formato digital, aperte o play agora porque, como dito mais acima, o disco irá sumir das plataformas de streaming.
Em contrapartida, será a oportunidade para você correr atrás de um CD player ou um toca-discos e experienciar Vazio Obsceno como nos velhos e bons tempos. Até por se tratar de um dos melhores registros gerados no subterrâneo brasileiro na classe de 2024.