Fizemos um raio x da arte do lendário álbum da falange de Manchester, que hoje completa 45 anos
Por Luiz Athayde
Eis mais um ano na história do icônico álbum de estreia da cria de Manchester, Inglaterra, sob a alcunha Joy Division. Sua capa apresenta um estranho padrão branco sobre fundo preto e já apareceu em milhões de camisetas desde 1979. Mas de onde vem isso? E o que realmente é?
Unknown Pleasures é, talvez, a imagem mais duradoura do pós-punk. Se você tem uma camisa, de certa forma é uma maneira de ter o álbum.
Nos dias anteriores à internet, as informações sobre a banda eram escassas: o nome do grupo não aparecia no álbum e não havia sequer fotos dos músicos na contracapa do disco. E por isso mesmo, um ar de mistério crescia em torno da capa de Unknown Pleasures.
O que a enigmática forma de onda simbolizava? Era um batimento cardíaco? Uma análise matemática de algo sinistro? O grito cósmico de uma estrela moribunda? Ou foi apenas a onda sonora do Pollard Syndrum (bateria eletrônica) da faixa “Insight”?
Em termos simples, trata-se de uma “plotagem empilhada” das emissões de rádio de um pulsar, uma “estrela de nêutrons rotativa”.
Originalmente chamado CP 1919, o pulsar foi descoberto em novembro de 1967 pela estudante Jocelyn Bell Burnell, sob supervisão de Antony Hewish na Universidade de Cambridge. Sua biografia é tão extensa que merecia considerações à parte, especialmente porque elas envolvem ausência de créditos.
Parênteses necessário: os louros foram para Hewish, que em 1974 recebeu o Prêmio Nobel de Física, descrita pelo comitê como “de suma importância para a física e astrofísica”.
Era inegável que por ética e bom senso, ele tinha um beneficiário, porém, não foi Bell Burnell. Curiosamente, sua atitude foi passiva, tendo observado várias vezes que os Nobéis geralmente não são concedidos a estudantes de pós-graduação e que o comitê não sabia que ela era mulher.
No entanto, muitos familiarizados com o legado de longo alcance dos pulsares veem injustiça. Como o historiador da ciência da Universidade de Nova York, Matthew Stanley.
“Esse é um exemplo muito claro da diferença para as mulheres e para qualquer pessoa que não esteja no topo”, disse (via The New Yorker).“Toda a comunidade subalterna sofre por não receber crédito pelo trabalho que realizou.”
Embora não tenha estudado pulsares após seu trabalho de doutorado, Bell Burnell se dedicou a outras pesquisas no âmbito da astrofísica. Além de ter defendido a causa das mulheres na ciência e dirigido instituições como a Royal Society of Edinburgh, academia nacional de ciências e letras da Escócia.
Pulsar é uma estrela de nêutrons dotada de um intenso campo magnético, que transforma a energia rotacional em eletromagnética.
Na medida que gira, ela emite radiação eletromagnética em um feixe como um farol, que pode ser captado por radiotelescópios. Cada linha na imagem é um pulso individual. Eles não são exatamente os mesmos a cada vez que percorrem um longo caminho pelo universo e a interferência atrapalha.
A imagem abraçada pela cultura pop apareceu pela primeira vez em um gráfico preto sobre branco na tese de doutorado de Harold D. Craft Jr., intitulada “Radio Observations of the Pulse Profiles and Dispersion Measures of Twelve Pulsars” (Observações de rádio dos perfis de pulso e medidas de dispersão de doze pulsares), publicada em 1971 na Universidade de Cornell.
Meses depois, o gráfico ganhou uma página inteira na Scientific American, desta vez com linhas brancas em um campo de ciano.
Na época, Craft trabalhava no Observatório de Rádio de Arecibo, em Porto Rico, e lançou mão de uma nova tecnologia de computador para atribuir as ondas de rádio do CP 1919. A exemplo do que ele disse mais tarde a Jen Christiansen, editora sênior de gráficos da Scientific American.
“Escrevi um programa que, em vez de ter [cada linha] alinhada verticalmente, eu as inclinava em um leve ângulo para que parecesse que você estava olhando para uma encosta – o que era esteticamente agradável”.
Depois de escrever a tese, Craft a entregou a uma desenhista da Universidade de Cornell, que preencheu as linhas com tinta preta.
Contudo, a capa, assinada por Peter Saville, tem origem exata na imagem reproduzida na edição de 1977 da Enciclopédia de Astronomia de Cambridge. Ela faz parte de um artigo sobre pulsares descobertos por pesquisadores da universidade britânica.
Foi aqui que Bernard Sumner – que trabalhava como designer gráfico nos estúdios de animação Cosgrove Hall em Chorlton, Manchester – a viu. Ele disse a Maxim em 2015:
“No meu horário de almoço, eu ia à Biblioteca Central de Manchester e pegava um sanduíche no café.
Eles tinham uma boa seção de arte e uma boa seção de ciências. Eu lia os livros em busca de inspiração. Uma das imagens que eu encontrei foi a de Unknown Pleasures que clicou comigo imediatamente.
“No Joy Division, eu tinha insônia e ficava acordado até tarde. Eu estava construindo sintetizadores – eles levaram meses para construir, soldando todos os componentes, e eu tinha [a trilha sonora de] 2001: Uma Odisséia no Espaço tocando ao fundo. Se você tirar o monólito daquele filme, ele terá a mesma forma.”
Prestes a lançarem seu primeiro álbum com a Factory Records, do lendário Tony Wilson, no verão (deles) de 1979, os caras do Joy Division foram até Peter Saville, designer da gravadora, para discutir a capa.
Ele disse a MOJO em 2005 que a banda se aproximou dele com um arquivo de cortes e ofereceu o enredo das ondas de rádio do CP 1919 e outra imagem enigmática de uma mão saindo de trás de uma porta sombria, tirada do livro de fotografias O Sonâmbulo (1970), de Ralph Gibson.
Saville lembrou: “[Eles disseram:] gostaríamos que fosse branco por fora e preto por dentro. Eu peguei esses elementos e os juntei da melhor forma possível. Ninguém disse qual o tamanho ou onde – eu tinha que descobrir como. Contrariei as instruções da banda e o fiz preto por fora e branco por dentro, o que me pareceu ter mais presença.”
Uma edição do 40º aniversário do álbum replica a ideia da capa branca original:
Saville acrescentou: “Chamava-se Unknown Pleasures (Prazeres Desconhecidos), então pensei que, quanto mais essa coisa preta enigmática pudesse ser, mais ela evocaria o título.”
Enquanto isso, Harold Craft não tinha ideia de que seu trabalho havia sido transformado em um dos designs de capa de álbum mais icônicos da história. “Eu não tinha a menor ideia”, disse ele a Jen Christiansen (via Scientific American no Youtube).
Entretanto, sua atitude não poderia ter sido mais pragmática: “Então, fui à loja de discos e, filho da mãe, lá estava ela. Comprei um álbum e um pôster também, sem nenhum motivo específico, exceto por ser a minha imagem e que eu deveria ter uma cópia dela.”
Texto livremente baseado nos artigos da Scientific American: Pop Culture Pulsar: Origin Story of Joy Division’s Unknown Pleasures Album Cover e The Pulsar Chart That Became a Pop Icon Turns 50: Joy Division’s Unknown Pleasures; e What does the cover of Joy Division’s Unknown Pleasures mean?, da Radio X UK.