Ases da nova safra do rock alternativo voltaram ainda mais incendiários
Por Luiz Athayde
Se liga nessa: “Ele está tentando ser um disco esperançoso e, ao mesmo tempo, incensado”.
Palavras de Graham Sayle, porta-voz da formação pós-punk mais furiosa do Reino Unido, o High Vis. Sim, cheia de raiva, porque de aromas gratiluz o novo álbum da banda, Guided Tour, passa bem longe.
Na verdade, Sayle se referiu ao modo escapista que ele e seus companheiros, Martin MacNamara e Rob Hammaren (guitarras), Edward ‘Ski’ Harper (bateria) e Jack Muncaster (baixo) estavam durante o processo criativo. Como a realidade dói, o jeito foi lidar com ela fazendo música.
E que músicas. Em seu terceiro registro cheio, o grupo londrino expõe composições mais lapidadas se comparadas com No Sense No Feeling (2019) e o sintomático Blending (2022). No entanto, isso não quer dizer sonoridade limpa. Muito pelo contrário: toda a ira nata está ali, assim como as passagens melodiosas. E é justamente esse, adianto aqui, o ás de espadas deste bando de peões do rock alternativo.
Trata-se do caminho natural de quem começou com um gosto musical “extremo” – os caras vêm de uma ampla bagagem crust punk – e foi agregando novas paletas com a experiência. E vindo da meca da música alternativa, isso seria somente uma questão de tempo.
Apenas pegue a faixa-título no primeiro ponto (ou melhor, play) e seja guiado pela cena de Manchester compreendida entre 1989 e 1991. Quem comanda o bonde são os saudosos Stone Roses, porém, bem no meio do percurso um ainda legal U2 sobe para seguir viagem.
O acidente na pista sinaliza para “Drop Me Out”; uma caixa de fósforos e 5 litros de querosene: INCENDIÁRIA. Logo de cara, já surge uma curiosa conexão inconsciente (?) com o Aussie e ativista Midnight Oil (“Dreamworld”) no refrão.
Sua subsequente é “Worth the Wait”, música que me permite dizer ser uma das que soam High Vis clássico: indie rock melódico com desfecho explosivo da cozinha. O mesmo serve para “Feeling Bless” ao aumentar o peso e os decibéis. “Fill the Gap” é punk rock e fim de papo, enquanto “Farringdon” desenha na mente do ouvinte o vai e vem da classe trabalhadora na homônima estação de metrô londrina.
Mais uma labareda adiante. Agora, de protesto. É “Mob DLA” denunciando o esquartejamento neoliberal dos serviços públicos na terra da rainha (hoje, um presunto) e seus efeitos, claro, nos mais pobres. Musicalmente, ela é como uma queimadura de 3º grau.
Seu tema continua na faixa seguinte, “Untethered”, só que movida a melancolia. “And if I shout, will you try and hear me?” (“E se eu gritar, você tentará me ouvir?”), diz o refrão… e o álbum, inclusive.
Em “Deserve It”, o autor segue cansado, mas ainda tenta achar um motivo para continuar. O pano de fundo inclui uma camada estilo Roses (Stone), mas também Ride e Echo & The Bunnymen.
Acontece que para cativar o público, não basta apenas uma mensagem contundente. Quando há uma boa canção por trás, aí não tem para ninguém. E “Mind’s a Lie” é tão mais que isso, que figura tranquilamente o Top 5 das músicas lançadas por estes caras.
A revolta marcante de Graham é contrastada com a voz doce e melódica da DJ britânica Ell Murphy, em um encontro da house music com o hardcore nas ruas do pós-punk. Cortesia das guitarras chuvosas aos estilos Robin Guthrie e The Edge.
Mesmo ao final dos pouco mais de 30 minutos, eles surpreendem ao acenarem com (pensando melhor, apertaram as mãos mesmo) Killing Joke. Dos primórdios.
Até daria para citar mais umas três bandas, mas quando se trata de post-punk, é sempre melhor ir na fonte. Quando não é Joy Division, a nova safra ataca de Jaz Coleman e cia.
Sem falar que “nas mãos” de quem sabe o que está fazendo, o resultado soa nada menos que assertivo. Como Guided Tour, um giro curto e às vezes grosso por uma era seminal do rock inglês, sob um olhar proletário, consciente, mas sobretudo fatigado.
Felizmente, o que fica é o melhor lado disso tudo: as músicas fantásticas nele presente, especialmente as mais ousadas; seja para o pop ou para agressividade.
E aí? Disco brilhante ou apenas sensacional? Os dois. Ouça na íntegra pelo Bandcamp. Ou a seguir.