Figura carimbada do subterrâneo pós-punk brasileiro estreia álbum vigoroso e dinâmico
Por Luiz Athayde
Olha só como são as coisas. Há pouco, conferi um daqueles famosos cortes de podcast. No caso, protagonizado pelo baterista da banda de death metal Nervochaos e também produtor cultural Eduardo Lane.
Ele deixava bem claro que underground não deve ser sinônimo de coisa mal feita, pelo contrário: “qualidade é essencial” e “(fazer) qualquer coisa pra mim é lixo. […] Independente da cena ou do movimento que você esteja.”
Em fevereiro de 2020, noticiei aqui o single “Zero”, de Thiago Halleck. Melhor: HallecӃ, lançado dias antes. No momento que ouvi sua então segunda faixa solo, pensei: “Tem coisa aí”.
A biografia do baixista e compositor (além de exímio tatuador) carioca radicado em São Paulo inclui a querida banda Gangue Morcego, a 1983 e o Das Projekt. Seus passos seguintes foram registrados nas sombras, ainda que vez ou outra ele aparecesse com alguma música inédita.
Perante o público, ele seguia o aparente modus operandi do subterrâneo brasileiro, ou seja, um sinal de fumaça aqui e ali. Errado: “do nada” me deparo com Genesis. Um álbum novo, em folha e com uma pegada singular dentro dos parâmetros dos chamados pós-punk e gótico.
Todos os instrumentos, arranjos, bem como produção, levam sua assinatura; enquanto os trabalhos de mixagem e masterização foram pelas mãos de Leandro Souza.
Por outro lado, algumas das dez faixas presentes trazem uma série de convidados especiais. Nomes correligionários, diga-se. Dennis Monteiro (Dennis & O Cão da Meia-Noite) e Edu Krummen (Nouvelle Vie) são coautores na fria, paulistana e nostálgica “28 de Agosto”, faixa que abre o álbum.
Na sequência, “VG” se mostra um simulador australiano (e inconsciente) do Gang of Four. Já “Sol de Novembro” é a primeira música urgente do disco. Aqui, o mais interessante são as nuances eletrônicas. Cortesia de seu “doutorado” em J-rock, inclusive na estética. Ou você acha que a capa remetendo a personagem de anime foi concebida à toa?
Os momentos mais sombrios não poderiam faltar. E “Silent Night” cumpre esse papel quase como uma interpretação mais palatável de uma música de deathrock; rudimentar, mas melódica. Irie participa tocando guitarra. Rafaela Dabrmths faz os backing vocals.
Falando em crueza, “A Ratazana” te dá o mesmo susto que um roedor vindo dos bueiros quentes e imundos do centro de São Paulo.
Ainda entre convidados, Leo Oka contribui na composição da mesma forma que Rafaela dá o ar da graça nos vocais. Me refiro a maravilhosa “Babel” e sua abordagem tão direta quanto a faixa anterior, porém, mais empolgante.
Medalhões como Joy Division, The Cure e The Sisters of Mercy formam o corpo de “Mundo Real”. Essa faixa pisa severamente no freio em relação ao restante do disco, mas, curiosamente, é uma das que mais prendem. Afinal, o mote é criar uma atmosfera em torno de uma paisagem urbana desenhada com tinta preta e cordas de baixo.
Sabe aquele papo de dinâmico acima? Então, “Lápides” (letra de Priscila Branco) corrobora com isso justamente ao figurar a faixa seguinte.
Quando você acha que pode respirar, surge uma canção de melodia forte, acompanhando aquele andamento clássico do pós-punk – sempre para frente.
Destaque para o solo de guitarra rasgando o trabalho de bateria antes do desfecho. Aliás, “Manigold” sinaliza a reta final como se fosse uma velha fita demo.
O exacerbado uso desse recurso no cenário independente vem causado resultados a nível de linha de produção. Entretanto, na malandragem, Halleck fez um trabalho contextualmente assertivo.
Faixa 10, fim de álbum, mas nunca é “Tarde Demais” para trazer um single do período pandêmico para 2023. Aqui o portão se fecha praticamente da mesma forma que abriu: rápido, rasteiro, melodioso.
Resumindo, Genesis é um registro calcado no vigor de um artista ativo nas frentes sonora e, especialmente, visual, e que se alinha qualitativamente a vários lançamentos legais do gênero desse ano. Inclusive gringos.
Álbum carimbado pela Paranoia Musique. Ouça na íntegra a seguir:
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