Banda nova-iorquina detonou uma bomba flashes de luz, cores frias e o melhor do pop alternativo dos anos 90
Por Luiz Athayde
Sem querer ser muito trágico, mas só sendo muito cego intelectual para ver que estamos à beira do colapso geral. Guerras, extremismo político e mudanças agressivas de clima – secas vorazes, dilúvios escabrosos.
Nenhuma novidade até aqui, ok. Porém, basta um segundo de lucidez para notar que todos esses fatores vêm se intensificando a cada ano.
Enquanto isso, as artes nunca se fizeram tão importantes para a sanidade mental, e no caso da quarta (a música), estamos paradoxalmente em um dos melhores momentos. Na verdade, o melhor, se o prisma estiver no universo alternativo. E está.
Essa afirmação se deve à enxurrada de novos nomes surgidos nos últimos anos. Não como um pastiche do que já foi feito, mas de pegar os refletores, aumentar sua potência e mirá-los no que lhes interessa.
Foi exatamente isso que o GIFT fez no seu segundo e bombástico álbum de estúdio, Illuminator, recém-lançado pela Captured Tracks.
Trata-se nada menos de uma síntese do que rolou de psicodélico, dançante, garageiro e pop na década de 90.
No entanto, essa mudança de chave sonora levou um certo tempo. O grupo carimbou sua estreia com Momentary Presence (2022); um registro fortemente influenciado pelo C86 e a neopsicodelia.
Só que ao vivo, aquelas músicas não causaram o efeito esperado pela banda. Ao invés de dançar, o público ficava simplesmente hipnotizado. Entretanto, bastou um giro pelo Velho Mundo para surgir um clarão.
“Em 2023, durante nossa primeira turnê europeia, ficamos encantados com as origens das bandas britânicas dos anos 90, como Primal Scream, Massive Attack e Oasis. Depois de um show em Glasgow, os promotores nos ofereceram [uma apresentação em] uma rave subterrânea de Jungle/DnB, o que nos deixou boquiabertos.”
Quem comenta é o vocalista/guitarrista T. J. Freda, mentor do grupo formado pelos multi-instrumentistas Jessica Gurewitz e Justin Hrabovsky; o baixista Kallan Campbell e o baterista brasileiro Gabe Camarano.
Tendo agora um novo mundo em mãos, a formação gerada em Nova York meteu as caras no estúdio. Freda e Hrabovsky assinam a produção, enquanto Ricky Berotti ficou a cargo da mixagem. Já o toque especial, ou seja, a masterização, foi pelas mãos de Dave Cooley (Metric, Tame Impala, M83, etc).
A gama de influências rendeu um disco heterogêneo, mas sensato. “Wish Me Away” faz o papel da abertura em um indie rock direto e com uma melodia que te pega de imediato. Os vocais angelicais de T.J. também marcam presença e são uma constante no registro.
“Light Runner” figura um dos singles e revela uma das forças motrizes na hora de compor o álbum: Madonna. Especialmente o álbum Ray of Light (1988). “To The Stars And Back” apela para um pós-punk explosivo em luz, flashes de luz e cores bem frias – como em tudo que você ouvirá aqui.
Ela é seguida por “Going in Cicles”, que faz uma bela ponte para “It’s All Too Fast”, mas acentua o lado sessentista do grupo. “Falling Down” é outra que simula aquela década sob a ótica dos anos 1990. Contudo, seu resultado está mais para o que o shoegazer Chapterhouse fez no maravilhoso álbum debut, Whirlpool, de 1991.
Na faixa seguinte, “Destination Illumination”, dá até para pensar que o restante seguirá uma linha reta, até o viés eletrônico dominar. A sequência é por “Later”; single nato, hit pronto. Envolvente até a medula. Gente como Curve e Lush entram com folga na lista de referências.
Agora, se Gary Numan e John Foxx arriscassem uma colaboração conjunta com alguma banda nova, indie e metida a eletrônica, a resultante provavelmente seria “Glow”. Das mais viajantes do play.
Falando nisso, “Water In My Lungs” é mais uma música impossível de não relacionar com Andrew Sherriff e cia. Boa parte da canção ecoa em “Treasure”, mas está tudo bem. E como.
Illuminator encerra de forma apoteótica com “Milestones”. A atmosfera “space rock de clube noturno” soa nada menos que cativante e só te faz querer voltar para a faixa 1 novamente.
Em suma, álbum brilhante de uma turma que felizmente ainda tem muita estrada pela frente. Embora, cá entre nós, seja difícil superar o que fizeram na classe de 2024. Melhores do ano? Não há dúvidas. Discaço.
Ouça Illuminator agora no Bandcamp, ou a seguir.