Fazendo termo “experimental” cair em total desuso
Por Luiz Athayde
Pouco mais de duas décadas após a derrota dos alemães na Segunda Guerra Mundial, o que boa parte do pessoal da esfera musical menos queria era fincar bandeiras políticas.
Do lado mainstream, o Schlager — tradução livre para música de fácil assimilação endossada por performances bregas — tomava de assalto os programas de tevê. Já do lado espacial…
Exatamente. Espaço. Artistas de toda a parte da Alemanha (bom, a ocidental pelo menos) não estavam interessados em olhar para um lado ou para outro. Daí, a alternativa mais viável foi para cima. Com muita experimentação no solo.
O mercado, como sempre, deu seu jeito de etiquetar: Krautrock; apelido cunhado pela imprensa inglesa assim que o estilo se tornou conhecido na Europa e nos Estados Unidos. E graças a contratação de gravadoras como Virgin e United Artists.
Ninguém gostou. Tudo bem que o lance até rendeu uma boa grana (advinha para quem), mas acabou se diluindo. Nesse ínterim, no entanto, deu tempo de gente como Can, Neu!, Kraftwerk, Tangerine Dream, Amon Düül II e Faust (des) construir um legado, carimbar o próprio nome na história dos sons estranhos.
Este último tem gênese na cidade de Hamburgo, classe de 1971. Sua contribuição mais influente se deu até 74, com os essenciais, Faust (1971), So Far (1972), The Faust Tapes (1973) e Faust IV (1973). Porém, sua discografia se manteve relevante, ainda que destinada somente a quem escavasse bem fundo.
E nessas escavações, descobriu-se que eles acabaram de soltar seu primeiro álbum de esquisitices inéditas desde Fresh Air, de 2017. Trata-se do resultado da curadoria assinada pelo mentor, baterista, percussionista e único constante, Zappi W. Diermaier, mais um grupo de amigos, incluindo o membro fundador Gunther Wüsthoff (saxofone, sintetizadores). Dentre eles, estão os músicos Uwe Bastiansen, Elke Drapatz, Dirk Dresselhaus, Jochen Arbeit, Sonja Kosche e Andrew Unruh.
Seu título entra para a galeria dos discos sintomáticos por realmente nos apresentar um novo olhar para o que fazem há 53 anos; em 6 faixas e 52 minutos. Ah, Blickwinkel significa ‘perspectiva’ em alemão.
Fãs de Einstürzende Neubauten poderão se sentir em casa. Só que é bom avisar que não há cadeiras. O lance é sentar no chão. Inclusive, ele está meio sujo por conta da obra ali na cozinha (industrial).
Em compensação, o espaço físico (ou não) é bem servido de metais, sintetizadores, instrumentos acústicos, ambiências e muita dissonância. Quando não foi?
Ainda assim, chamar essa ‘visão’ de experimental denota certa preguiça, dada as inúmeras camadas que o disco apresenta. Se em “For Schlaghammer” o convite é para o novo, “Kriminelle Kur” e “Sunny Night” te inserem na lisergia criada com as cores da jam feita no quintal. Sem mencionar “Künstliche Intelligenz” e, especialmente, “Die 5. Revolution”, ao apontarem o desuso deste termo tão gasto quanto o ‘alternativo’. Faixa eletrônica, sombria e com um ar maravilhoso de interferência.
Contudo, não é só isso. Por essência, a música alemã também é conhecida pela repetição. Quadrada. Coisa da personalidade; pragmática, sistemática. E “Kratie” define todas essas características de um jeito único, ao te carregar para uma viagem guiada pelo contrabaixo durante 13 minutos.
É justamente a intransigência que faz de Blickwinkel um álbum tão hipnotizante. Ao ver a capa, você erroneamente julga ser um retorno às raízes, até perceber que esse papo nunca existiu com o Faust. Até por ser valer a conexão com Goethe. A diferença é que ao invés de Mefistófeles, o demônio de Diermaier se chama antipop. E sua paixão está na direção contrária da produção de escala industrial.
Ouça na íntegra no Bandcamp (vinil roxo e CD digipack disponíveis), ou a seguir.