Músico paulistano volta com um disco regado a cicatrizes e pós-punk sob rédeas garageiras
Por Luiz Athayde
Dois mil e vinte e um foi ontem, mas parece uma eternidade quando o assunto envolve lançamentos discográficos. A exemplo do músico paulistano Dennis Monteiro, que entre as ‘batalhas da vida’, ainda teve que se recuperar de uma agressão sofrida pouco antes de sua apresenção na Teodoro Sampaio, São Paulo, por um grupo de neonazistas.
Na época, ele divulgava o álbum Id, Ego, Superego e Outras Porcarias (2021), de sua banda Dennis & O Cão da Meia-Noite.
Passada a reclusão, inclusive mental, ele ressurgiu com o single “Aquela Que Eu Queria Esquecer”, denotando uma continuação do trabalho anterior.
Logo depois veio “As Luzes De Led Tomaram Conta Da Cidade”, uma nítida crônica pessoal de sua cidade natal e sobre como ela o afeta – para o bem e para o mal. Neste caso, ecos legionários com experimentações na bateria eletrônica; uma espécie de Joy Division no seu modo mais rudimentar.
Por fim, em março saiu Sobre Lealdade. O álbum foi gravado por Dennis em seu próprio estúdio, Dissonância Magnética, e traz masterização assinada por Diego de Oliveira (Cubüs, Paranoia Musique). Além de ter contado com Alexandre Fon (bateria), Bruno Fuzz (baixo), Edu Krummen (baixo), Cristiano Reis (guitarra), Dimmy (saxofone) e Thiago Plaza (trompete).
Das nove faixas presentes no disco, três configuram versões: “Baile de Máscaras”, da ex-banda de Dennis, 1983; “Tu No Me Tienes Que Salvar”, do ato espanhol Depresión Sonora; e “Primavera”, do Últimos Versos.
A primeira chega como um assertivo momento de abertura, atentando o ouvinte ao próximo passo. Por outro lado, o segundo cover faz um contraponto melódico no discorrer do registro. Quanto a escavação nos anais da cena pós-punk brasileira, o tratamento foi para lá de satisfatório. Até porque a original soa como uma demo ensaio. Sem dúvidas, “Primavera” ganhou uma nova vida.
A faixa 2, “Metaverso”, é tão curta quanto a expectativa de durabilidade desse tal mundo virtual 3D. Musicalmente, seu aceno é para a banda correligionária Wry, mas com o olhar do punk rock.
“Bondade É Um Ato De Coragem” vem como a suposta música que destoa do restante do disco, mas basta absorver o primeiro minuto para entender que se trata da aproximação mais nítida da banda com o gótico. Bauhaus encontra Lee “Scratch” Perry – como, na verdade, Peter Murphy e cia fizeram antes.
Se até aqui você estranhou a ausência de citações como ‘anos 80’ ou algo do tipo, “A Última Recaída” projeta uma São Paulo cinzenta, endossada pelos ventos do sax. Conexão inconsciente e melancólica com os finlandeses do Kollaa Kestää.
O encerramento se dá de forma ainda mais experimental. Ou melhor, spoken word. Acamado em uma esfera eletrônica, “Sobre Lealdade” entrelaça crítica social e reflexões pessoais acerca do que Dennis Sinned passou como artista e ser humano nesses últimos tempos.
Em suma, não é um álbum nostálgico, mas mostra, em vários momentos, uma perspectiva de 2023 sobre a década de 80, em especial das bandas nacionais. Ou seja, pós-punk com ar de garagem, bem produzido – se comparado a grupos obscuros daquele período – e com canções mais diretas e melodiosas. Aperte o play.
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