Em entrevista, Brendan Perry fala sobre Dionysus e a atual situação política mundial
Por Luiz Athayde
O lendário grupo comandado por Brendan Perry e Lisa Gerrard Dead Can Dance está em turnê europeia para divulgar seu novo álbum Dionysus, lançado em 2 novembro do ano passado. Com passagem daqui a algumas horas na terra de Cabral para duas noites (hoje e amanhã, sexta-feira), Brendan Perry falou do álbum, política e até sobre o Brasil.
Em relação a traduzir o mito de Dioniso para um álbum, Brendan Perry diz:
“Esta aventura começou há cerca de dois anos, depois de ler “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música” de Friedrich Nietzsche. Foi uma espécie de revelação. Me interesso muito pela cultura grega antiga, em todos os níveis, e me recomendaram quando eu estudava teatro e tragédia grega. É sobre o papel primordial da natureza na história da tragédia grega. Nietzsche fala de dois tipos de correntes que concorriam entre si no pensamento criativo grego: o apolíneo e o dionisíaco. O apolíneo é sobre coisas que são medidas pelo intelecto, que toma conta do processo criativo, e o dionisíaco é algo mais primitivo, sobre a sublimação dos sonhos que é libertada através de energia frenética, êxtase. Ao se juntarem, em colaboração, em paralelo, o que seja, produzem formas superiores de arte. Foi uma verdadeira revelação ler isso, porque é um pouco a forma como eu via a arte, em muitos aspetos, e a música, certamente. Algo que temos usado de forma dinâmica nos Dead Can Dance, eu e a Lisa. Isso levou-me a querer saber mais sobre Dioniso e essa energia do espírito dionisíaco, portanto li mais três livros e vi muitos documentários. Basicamente mergulhei em tudo o que encontrei sobre ele. No final dessa viagem intelectual, percebi que tinha material suficientemente inspirador para fazer um álbum conceitual.”
O músico também traçou um paralelo entre Dionisio, que era um “deus marginal”, que protegia as “parias da sociedade” e o mundo de hoje.
“A razão pela qual temos estes problemas com a imigração prende-se simplesmente com questões econômicas. Vivemos num tempo em que os poderes ocidentais são coniventes com a destabilização de certas zonas do globo, que forçaram a migrações por causa da guerra. E são diretamente responsáveis e culpabilizáveis e deviam ser responsabilizados pelos seus cidadãos. Nenhum destes migrantes quer verdadeiramente abandonar o país onde vive. É preciso muito medo, de ser morto, assassinado, violado, para que povos migrem em massa. Devíamos, enquanto povos que reconhecer que os seus líderes são cúmplices desses crimes, mesmo que de forma indireta, abraçar e ter uma casa para estas pessoas, para estas minorias. Isso é verdadeira base da caridade e empatia humana. Quando vê estes movimentos de direita que baseiam os seus princípios em questões de raça e secularidade ganhando mais poder… é chocante. Me enoja, porque não têm compaixão, só se preocupam com a cor da sua pele ou a etnia dos teus antepassados. Os tempos que vivemos são tristes, verdadeiramente tristes.”, diz Perry.
Ao ser perguntado se tem acompanhando o que tem acontecido no Brasil, o músico comenta:
“Não muito, mas foi assim que Hitler chegou ao poder, é dessa forma que os fascistas tendem a chegar ao poder… Apontam para um determinado grupo da sua comunidade e fazem dele bode expiatório, transformam essas pessoas no inimigo interno e é assim que ganham o poder. As pessoas têm a necessidade de apontar o dedo quando falam dos seus problemas e de tudo o que está mal na sociedade. Tudo o que eles precisam de fazer é encontrar alguém, uma parte da sociedade, muitas vezes inocente, a quem apontar o dedo, simplesmente para galvanizar o resto do povo contra eles. É patético, é um instrumento político muito antigo e as pessoas deviam acordar de vez.”
Uma das marcas do Dead Can Dance são as experimentações, que vão desde o uso dos mais variados tipos de instrumentos até gravação de colmeias na Nova Zelândia e cantos de pássaros no Brasil e no México. Ao ter passado por tantos lugares ao longo desses anos, Perry diz qual lugar mais lhe marcou.
“Foram dois, na realidade. A Irlanda, quando era criança. O meu lado irlandês da família se dedica à agricultura… Foi um contraste gigante: nasci e cresci numa cidade, Londres, onde é tudo cimento, pedra e alcatrão. E nas férias de Natal ou de verão, íamos até à Irlanda e eu ficava embasbacado: era como se saísse de uma prisão de cimento para viver uns dias ao ar livre. Portanto, as minhas memórias são lindas: apanhar sapos no campo com todos os filhos dos vizinhos, nadar nos lagos. Aqueles longos e quentes verões de que nos recordamos quando somos crianças. Depois, quando era adolescente, emigramos de Londres para a Nova Zelândia… É muito diferente, são florestas húmidas, praias no sul do oceano pacífico, e é um país mais orientado para o mar. Esses dois países vivem em mim. O poder, a beleza majestosa da natureza, quando era menos poluída, contaminada, e havia mais espécies de animais ao redor. E não foi assim há muito tempo.”, diz o músico.
Ao dizer sobre seus objetivos como banda, Perry fala sobre a saúde de Lisa Gerrard.
“Para ser sincero, só quero estar numa posição em que possamos tocar ao vivo. Gostaria de inverter o paradigma, a metodologia que mantivemos durante tantos anos, e fazer mais shows. A principal razão para não o termos feito por causas inúmeros problemas de saúde que a Lisa teve no passado… Mas [ela] parece estar em boa forma, neste momento. [Ela] Anda a atuando bastante, seja com The Mystery of the Bulgarian Voices, Hans Zimmer ou outros projetos, portanto espero que consigamos fechar estes concertos para depois fazer uma turnê mundial em 2020.”
A primeira a única vez que o Dead Can Dance veio ao Brasil foi em 1996 então comemorando 15 anos grupo e também divulgando seu recém-lançado álbum Spiritchaser, com duas datas; no extinto Olympia em São Paulo e outra no Imperator, Rio de Janeiro.
Entrevista completa na Blitz.pt