Richard H. Kirk segue como o único integrante a liderar o bastião construído em 1973 nos arredores e Sheffield
Por Luiz Athayde
Quando o Cabaret Voltaire anunciou seu retorno às atividades discográficas inéditas após 26 anos, a reação instantânea foi: “Maravilha!” Mas o sentimento de felicidade veio quando a única constante no projeto britânico fundado em 1973 na cidade industrial de Sheffield, Richard H. Kirk fez uma revelação importante sobre o novíssimo álbum Shadow of Fear, em matéria prévia:
“Fazer este álbum me lembrou um pouco dos velhos tempos com o Cabaret Voltaire porque não havia muitos equipamentos, então você realmente tinha que usar sua imaginação.”
O que aconteceu: a intenção inicial de Kirk era fazer um registro com certa pegada ao vivo, influenciando pelos lugares onde passou. Até aí, ótimo. Só que, no meio do processo, as configurações programadas para o disco lhe deixaram na mão, obrigando ele a recorrer a seus antigos equipamentos – da era inicial da banda.
Quanto ao título supostamente pandêmico, na verdade se trata de tormentas e paranoias já recorrentes na psique do músico. “A situação atual não teve muita influência sobre o que eu estava fazendo – todo o conteúdo vocal já estava no lugar antes do pânico se instalar”, disse o experimentalista inglês.
E musicalmente isso se refletiu como nunca na história deste cabaré obscuro. É como se o clássico Red Mecca (1981) quisesse se fundir ao Micro-Phonies (1984), mas algo desse errado, no melhor dos sentidos, resultando em um petardo recheado de climas sombrios mezzo dançantes e momentos sonicamente desconcertantes.
Embora as 8 faixas em si não se pareçam, são essas características que trazem a homogeneidade a Shadow of Fear. “Be Free” já abre como um bom exemplo, em sua veia rudimentar à la Kraftwerk.
Já “Microscopic Flesh Fragment” soa como Cabaret Voltaire clássico, mas muito mais assustador, para ser mais exato. Enquanto que “Papa Nine Zero Delta” faz o The Normal de Daniel Miller parecer brincadeira de criança. Na verdade o disco todo tem esse clima meio nóia.
Mas o álbum também tem “Night Of The Jackal” com o seu house do inferno, electro alguma coisa e por aí vai; se é que dá para dizer isso.
“Vasto” foi um dos singles anteriormente divulgados e segue como um dos pontos altos do álbum, justamente por ser tão “live”. Você realmente consegue sentir como se estivesse em uma apresentação ao vivo do Cabaret Voltaire. Pedrada das grossas.
Como surrealista nato dos sons eletrônicos, Richard H. Kirk nunca teve que provar nada para ninguém como muitos grupos que nasceram tendo como suas raízes a música eletrônica e, posteriormente, migrando para superfícies mais comerciais.
Shadow of Fear chega quase três décadas depois para nada, nada menos que reforçar isso, e melhor: como um item indispensável na galeria dos novos registros editados pela velha safra da música genuinamente eletrônica; além de ser uma bela trilha para este pandêmico fim de 2020 – e para a temporada viral de 2021.
Ouça o álbum completo via Bandcamp ou abaixo no Spotify: