Por desconhecerem a palavra ‘medo’ do vocabulário, grupo holandês surpreendeu com canções progressivas de tempero pop
Por Luiz Athayde
A década de 90 foi marcada pela mistura de sons, nuances e experimentos, tal como acontecia nos anos 1970. Mas de um jeito mais “pop”. Muitas das bandas que lançaram mão da tentativa de inovar sua sonoridade, permaneceram no subterrâneo; afinal, o sol não brilha para todos.
Na esfera metálica não foi diferente. Como uma avalanche movida pela “virada de casaca”, alguns dos principais nomes do chamado metal extremo pareciam terem sido pegos pelo mote evolutivo, que culminou em álbuns seminais. Mas também ao passaporte para a galeria de ódio oriunda de fãs mais conservadores.
Amorphis, Moonspell, Tiamat, Paradise Lost, The Kovenant (ex-Covenant) e Katatonia são alguns que figuram uma extensa fileira de bandas que se saíram bem em suas novas propostas que envolviam basicamente gótico, pop e música eletrônica, e perderam uma boa dose de seguidores por isso. À meia luz disso tudo estava um grupo holandês formado em Oss, no ano de 1989, que já chamava a atenção pela sua tentativa torta de experimentar: The Gathering.
Embora vindos da cena metálica, a banda liderada pelos irmãos Rutten – Hans e René; bateria e guitarra respectivamente – nunca se assumiu como tal, da mesma forma que nenhum outro gênero do qual se embrenharam.
Contabilizando um álbum Death Metal (Always…, 1992) e uma esquisita tentativa de soar como Faith No More em Almost A Dance (1993), o grupo dispensou os vocalistas Bart Smits e Marike Groot, e recrutam Anneke van Giersbergen. A formação clássica estava devidamente configurada.
Sob forte influência de Dead Can Dance, soltam Mandylion (1995), rendendo merecida atenção em terras “mais altas” – lembrando que a Holanda compõe os Países Baixos, que também inclui Bélgica e Luxemburgo; todos abaixo do nível do mar –, e no ano de 1997 voltam a surpreender com o lançamento de Nighttime Birds.
Gravado no tradicional Woodhouse Studios em Hagen, Alemanha e com produção assinada pela banda juntamente com o alemão Siggi Bemm – algumas de suas credenciais envolvem todas as bandas acima citadas e mais, muito mais –, dois belos singles foram extraídos do álbum: The May Song e Kevin’s Telescope.
O medo é uma palavra praticamente inexistente no vocabulário do The Gathering. A exemplo de uma participação de um especial para a TV holandesa em 2004, na ocasião comemorando 15 anos de estrada. “ ‘Vamos tentar’ é algo muito importante para o Gathering. A gente olha para cada álbum por um ângulo diferente. Acho que é por isso que estamos juntos há 15 anos.”, disse o baterista Hans Rutten.
Mas para Nighttime Birds, eles resolveram simplificar. Em uma só tacada, ou melhor, em aproximadamente um mês, Anneke van Giersbergen (voz), René Rutten (guitarras, flauta), Jelmer Wiersma (guitarras), Frank Boeijen (teclados, sintetizadores), Hugo Prinsen Geerligs (baixo) e Hans Rutten (bateria) se juntaram e lapidaram suas demos, resultando em uma orientação mais progressiva, menos gótica, e tendo o pop como o caminho do meio. Além dos resquícios dos flertes Doom deixados pelo caminho.
“On Most Surfaces (Inuït)” abre de maneira bombástica, com distorções mais sujas que seu álbum anterior, em contraponto com a marcante voz de Anneke e as ambientações criadas pela cozinha da banda.
“Confusion” aponta o que seria o caminho adotado durante todo o disco, criando imediatas paisagens sonoras – a banda foi especialista nisso, principalmente em seus primeiros anos com Giersbergen – no ouvinte. Como também em “The Earth is My Witness” e “New Moon, Different Day”, que podem ser “vistas” no encarte do disquinho. Aliás, a estética é um outro ponto marcante na banda, devido a preocupação com seu conceito.
Embora com mais guitarras, é em “Third Chance” que a veia pop do grupo se aflora, garantindo reações calorosas durante a turnê de promoção do álbum. A faixa título dispensa comentários. Outra com cadeira cativa no setlist da banda, essa sintetiza bem a curta distância entre estilos proposta pelos holandeses, a fim de registrar mais um disco único em sua discografia. Àquela altura já haviam consolidado seu nome na Europa e ganhado fervorosos fãs na América do Sul, correndo às pressas para garantir sua cópia importada de Nighttime Birds.
Escolher apenas um disco do The Gathering daquele line-up é difícil. Mas nem tanto pela repentina nostalgia, e sim por se tratar de uma banda ímpar, se a análise for feita a partir do meio que vieram, mesmo que a contragosto. Ainda assim, com todos os passeios musicais, alguns bem explícitos, diga-se, não há nada parecido com o quarto álbum destes holandeses.
A tarefa de mesclar influências por vezes pode ser um tiro pela culatra, mas quando um grupo se encontra no seu próprio estado das coisas, as chances do resultado final beirar o fantástico são grandes. Ou, no mínimo, digno de admiração. É por isso que você precisa ouvir o álbum aniversariante de hoje, Nighttime Birds.
Nighttime Info:
+ Das 4 faixas do single ‘Kevin’s Telescope’, duas são versões: “In Power We Entrust The Love Advocated” (Dead Can Dance) e “When The Sun Hits” (Slowdive); posteriormente lançadas em 2005 na coletânea ‘Accessories: Rarities & B-Sides’.
+ A versão para música do Dead Can Dance também aparece em ‘The Lotus Eaters: Tribute to Dead Can Dance’, de 2004.
+ Em 2014 o The Gathering completou 25 anos, e para comemorar, convocou os principais integrantes que passaram pela banda, com foco nos álbuns gravados por sua formação clássica.
+ Nighttime Birds teve edição brasileira lançada via carimbo Rock Brigade Records.
Ouça Nighttime Birds no Spotify: