Ex-força criativa do Lush prova que não há nada que não possar melhorar
Por Luiz Athayde
A linha do tempo da artista britânica Emma Anderson, especialmente após o segundo fim da banda shoegazer, Lush, é para lá de notável.
Voar solo nunca esteve nos seus planos, mas foi a alternativa que se mostrou assertiva após a força moral dada por gente bem próxima: a musicista Audrey Riley, e Robin Guthrie (Cocteau Twins).
Partindo daí, o lance foi trabalho e fluidez. Pearlies, seu álbum de estreia, teve James Chapman na produção, e Richard Oakes, guitarrista do Suede, como convidado especial. O resultado (e a resenha você confere aqui) foi em parte, o que seria se sua banda estivesse na ativa. Ao mesmo tempo, ele apresenta novas facetas de Emma como compositora e esponja de referências.
Só que ela não se deu por satisfeita. Seu espírito colaborativo sempre esteve presente, e com isso, resolveu rearranjar por inteiro sua estreia discográfica, saindo como Spiralée: Pearlies Rearranged.
Todavia, ao anunciar o novo trabalho, ela fez questão de explicar que “é muito mais do que isso – tudo no original foi reorganizado, desde as faixas até a ordem de execução e até mesmo o título anagramático, e o resultado é, essencialmente, um disco totalmente novo.”
Cada faixa traz uma assinatura diferente em termos de mixagem.
“Foi uma chance de conseguir que algumas pessoas realmente inventivas pegassem as faixas e as virassem de cabeça para baixo e foi exatamente isso que aconteceu”, comentou Anderson em nota publicada pelo Class of Sounds em setembro.
Entre elas, estão Daniel Hunt (Ladytron), Julia Holter, Lonelady, Lorelle Meets the Obsolete, Deary, The Orielles, Concretism, Masal, Maps (James Chapman) e o duo MEMORIALS.
De fato, não se trata apenas de um disco totalmente novo, como melhor; mais amplo e incontestavelmente mais envolvente. Bom, contestável até que é, porém, o uso massivo de sons eletrônicos aliados ao inerente tino de Emma por sons etéreos fez toda diferença.
Contudo, da mesma forma que no debut, “Willow And Mallow” te toma por completo assim que entra a melodia vocal de Emma. Junte isso ao belo clipe filmado bem perto onde David Bowie fez o vídeo para “Ashes to Ashes”. A viagem é contigo.
Em “The Presence”, o mote foi mirar no espaço sob uma forte perspectiva eletrônica. “Clusters” tem um certo quê de cinema, remetendo a formações post-rock como Mogwai e Explosions in the Sky. Quando atacam de ambient. “For a Moment” traz uma batida nostálgica, massivamente usada nos anos 90 – cortesia do dub, ao ser realocado para aquele período.
Ela é seguida por “Xanthe”, faixa facilmente interpretada como uma canção de ninar se feita pelo Dead Can Dance. O lado psicodélico é endossado pela abordagem trip hop na “Inter Light”, assertivamente seguida por “Taste The Air”; experimental, etérea e com uma aura de chamber pop.
Seu fio condutor é “Tonight Is Mine”, dotado de uma forte camada de sintetizador capaz de tomar qualquer ambiente. Daí, para quebrar, no bom sentido, surge “Bend The Round”, tendo mais uma vez o trip hop, mas também uma pitada de drum and bass como força motriz. Portishead e Hooverphonic são os nomes a surgirem na mente de imediato.
O toque final é dado pelo duo turco britânico Masal, que não economiza originalidade ao reimaginar “I Was Miles Away”; seja no jazz – com direito ao uso de harpa (Alice Coltrane mandou um abraço do além) – ou nos experimentos eletrônicos.
Em suma, mais um ano caminhando para o fim e novamente temos um grande disco de Emma Victoria Jane Anderson para compor a prateleira dos melhores de 2024. Só que com um detalhe: mostrando a força da colaboração criativa. Principalmente se tratando de gente que ela mesma influenciou.
Que disco. Aperte o play no Bandcamp (CD e vinil disponíveis) ou a seguir.